[Chile] Outro 11 de setembro

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  • [Pointblank!] Uma estranha derrota: a revolução chilena (1973)
  • [GCI-ICG] Memória operária – Chile: Setembro de 1973
  • [GCI-ICG] Chile: O fim da UP e a reemergência do proletariado

[Pointblank!] Uma estranha derrota: a revolução chilena (1973)

Fonte em inglês: https://libcom.org/library/strange-defeat-chilean-revolution-1973-pointblank/

I

No palco espetacular dos eventos atuais denominados “notícias”, o funeral da socialdemocracia no Chile foi orquestrado com alta dramaticidade por quem entende mais intuitivamente a ascensão e queda de governos: outros especialistas do poder. As últimas cenas do script chileno foram escritas em vários campos políticos de acordo com os requisitos das ideologias particulares. Alguns vieram para enterrar Allende, outros, para o enaltecer. Ainda outros reivindicam um conhecimento ex post facto de seus erros. Quaisquer que sejam os sentimentos expressos, estes obituários foram escritos com bastante antecedência. Os organizadores da “opinião pública” só podem reagir reflexivamente e com uma distorção característica dos próprios eventos.

A medida que os respectivos blocos da opinião mundial “escolhem lados”, a tragédia chilena é reproduzida como uma farsa de escola internacional; a luta de classes no Chile é dissimulada como pseudo-conflito entre ideologias rivais. Nas discussões da ideologia, não ouviremos nada sobre aqueles a quem o “socialismo” do regime de Allende era supostamente destinado: os trabalhadores e camponeses chilenos. Seu silêncio foi assegurado não apenas por aqueles os metralharam em suas fábricas, no campo e em suas casas, mas por aqueles que diziam (e continuam a dizer) representar seus “interesses”. Mesmo com mil deturpações, no entanto, as forças que estiveram envolvidas na “experiência chilena” ainda não se expuseram. O seu conteúdo real será estabelecido apenas quando as formas de sua interpretação forem desmistificadas.

Mais do que tudo, o Chile fascinou a dita esquerda em todos os países. E, ao documentar as atrocidades da junta militar atual, cada partido e seita tenta ocultar a estupidez das análises anteriores. Dos burocratas no poder em Moscou, Pequim e Havana aos burocratas exilados dos movimentos trotskistas, um coro litúrgico de embusteiros esquerdistas oferece sua avaliação post mortem do Chile, com conclusões tão previsíveis quanto sua retórica. As diferenças entre eles são apenas de nuances hierárquicas; compartilham uma terminologia leninista que exprime 50 anos de contrarrevolução em todo o mundo.

Os partidos estalinistas do Oeste e os Estados “socialistas” do Leste, muito acertadamente, vêem na derrota de Allende a sua própria – a de um homem de Estado. Com a falsa lógica que é um mecanismo essencial de seu poder, aqueles que sabem tanto de Estado e de (derrota da) Revolução denunciam a queda de um regime constitucional, burguês. Por outro lado, os importadores de “esquerda” do trotskismo e maoísmo apenas podem lamentar a ausência de um “partido de vanguarda” – o deus ex machina do senil bolchevismo – no Chile. Os que herdaram a derrota de Kronstadt e Xangai revolucionárias sabem do que falam: o projeto leninista requer a imposição absoluta de uma “consciência de classe” deformada (a consciência de uma classe dominante burocrática) àqueles que, em seus projetos, são apenas “as massas”.

As dimensões da “Revolução Chilena” transbordam os limites de qualquer doutrina particular. Enquanto os “anti-imperialistas” do mundo denunciam – de uma distância segura – o muito conveniente bicho-papão da CIA, a real razão da derrota do proletariado chileno deve ser buscada em outro lugar. Allende o mártir foi o mesmo Allende que desarmou as milícias de trabalhadores de Santiago e Valparaíso nas semanas que antecedem o golpe, deixando-os indefesos diante dos militares cujos oficiais já estavam em seu gabinete. Essas ações não podem ser explicadas simplesmente como “colaboração de classe” ou como uma “traição”. As condições da estranha derrota da Unidad Popular (UP) foram preparadas muito antes. As contradições sociais que emergiram nas cidades e no campo do Chile em agosto e setembro não foram simplesmente divisões entre “esquerda” e “direita”, mas envolveram uma contradição entre o proletariado chileno e os políticos de todos os partidos, incluindo aqueles que se apresentavam como os mais “revolucionários”. Num país “subdesenvolvido”, uma luta de classes altamente desenvolvida surgira, ameaçando as posições de todos aqueles que queriam o subdesenvolvimento, seja economicamente, através da continuação da dominação imperialista, ou politicamente, através do retardo de um autêntico poder proletário no Chile.

II

Em todo lugar, a expansão do capital cria a sua aparente oposição na forma de movimentos nacionalistas que procuram se apropriar dos meios de produção “em nome” dos explorados e, com isso, se apropriar o poder social e político para si mesmos. A extração de mais-valia do imperialismo tem suas consequências políticas e sociais, não somente na pobreza forçada daqueles que devem se tornar seus trabalhadores, mas no papel secundário designado à burguesia local, que é incapaz de estabelecer completa hegemonia sobre sociedade. É precisamente esse vácuo que os movimentos de “libertação nacional” buscam ocupar, assumindo assim o papel gerencial não preenchido pela burguesia dependente. Esse processo assumiu muitas formas – da xenofobia religiosa de Khadafi à religião burocrática de Mao – mas em todas elas, as palavras de ordem de “anti-imperialismo” são as mesmas, e aqueles que as dão estão em idênticas posições de comando.

A distorção imperialista da economia chilena deu abertura para um movimento popular que almejava estabelecer uma base de capital nacional. Porém, o status econômico relativamente avançado do Chile impediu o tipo de desenvolvimento burocrático que tinha chegado ao poder pela força das armas em outras áreas do “terceiro mundo” (um termo usado para ocultar as divisões reais de classe nesses países). O fato de que a “progressista” Unidad Popular fosse capaz de uma vitória eleitoral como coalizão reformista foi um reflexo da peculiar estrutura social no Chile, que era, em muitos aspectos, similar àquela nos países capitalistas avançados. Ao mesmo tempo, a industrialização capitalista criou as condições para a possível superação dessa alternativa burocrática na forma de um proletariado rural e urbano que emergiu como a classe mais importante, e com aspirações revolucionárias. No Chile, tanto democratas cristãos quanto social-democratas deveriam provar ser os oponentes de qualquer solução radical dos problemas existentes.

Até o advento da coalizão UP (Unidad Popular), as contradições na esquerda chilena entre uma base radical de trabalhadores e camponeses e seus assim chamados “representantes” políticos permanecia em grande medida um antagonismo latente. Os partidos de esquerda foram capazes de organizar um movimento popular apenas com base na ameaça estrangeira posta pelo capital norte-americano. Os comunistas e socialistas foram capazes de sustentar a imagem de autênticos nacionalistas sob o governo democrata cristão porque o programa de Eduardo Frei de “chilenização” (que incluía uma política de reforma agrária que Allende iria conscientemente emular mais tarde) era explicitamente conectada à “Aliança pelo Progresso” patrocinada pelos EUA. A esquerda oficial foi capaz de construir sua própria aliança dentro do Chile em oposição, não ao reformismo em si, mas a um reformismo com ligações estrangeiras. Mesmo com seu caráter moderado, o programa de oposição da esquerda chilena só foi adotado depois que a atividade de greve militante dos anos 1960 – organizada independentemente dos partidos – ameaçou a existência do regime de Frei.

A vitoriosa UP se moveu em um espaço aberto pelas ações radicais dos trabalhadores e camponeses chilenos; ela se impôs como uma representação institucionalizada das causas proletárias na medida em que ela foi capaz de as recuperar. Apesar do caráter extremamente radical de muitas das ações de greve anteriores (que incluía ocupações de fábrica e a administração pelos trabalhadores de várias plantas industriais, notavelmente a COOTRALACO), a prática do proletariado chileno carecia de uma correspondente expressão teórica e organizativa, e essa falha em afirmar sua autonomia o deixou aberto às manipulações dos políticos. Apesar disso, a batalha entre reforma e revolução estava longe de ter sido decidida.

III

A eleição do maçom Allende, embora não tenha significado de modo algum que os trabalhadores e camponeses tivessem estabelecido o seu próprio poder, porém, intensificou a luta de classes que estava ocorrendo em todo Chile. Ao contrário das declarações da UP de que a classe trabalhadores alcançara uma grande “vitória”, tanto o proletariado quanto seus inimigo continuaram sua batalha fora dos canais parlamentares convencionais. Apesar de Allende constantemente dizer aos trabalhadores estar engajado em uma “luta comum”, ele revelou o verdadeiro caráter de seu socialismo-por-decreto no início de seu mandato quando ele assinou o Estatuto, que formalmente garantiu que ele respeitaria rigorosamente a constituição burguesa. Tendo chegado ao poder com um programa “radical”, a UP entrou em conflito com uma crescente corrente revolucionária em sua base. Quando o proletariado chileno mostrou que estava preparado para tomar os slogans da UP literalmente – slogans que não passavam de retórica vazia e promessas não cumpridas por parte da coalizão burocrática – colocando-os em prática, as contradições entre o conteúdo e a forma da revolução chilena se tornou evidente. Os trabalhadores e camponeses do Chile estavam começando a falar e agir por si mesmos.

Apesar de todo seu “marxismo”, Allende nunca passou de um administrador da intervenção do Estado em uma economia capitalista. O estatismo de Allende – uma forma de capitalismo de Estado que acompanha a ascensão de todos os administradores do subdesenvolvimento – nada mais foi senão uma extensão quantitativa das políticas da democracia cristã. Ao nacionalizar as minas de cobre e outros setores industriais, Allende continuou a centralização iniciada sob o controle do aparato de Estado chileno – uma centralização iniciada pelo “arqui-inimigo” da esquerda Eduardo Frei. Allende, de fato, foi forçado a nacionalizar certos setores porque eles tinham sido espontaneamente ocupados pelos trabalhadores. Ao impedir a autogestão da indústria pelos trabalhadores, neutralizando essas ocupações, Allende se opôs ativamente ao estabelecimento de novas relações sociais de produção. Como resultado de suas ações, os trabalhadores chilenos apenas substituíram um conjunto de patrões por outro: agora a burocracia do governo, no lugar da Kennecott ou Anaconda, dirigia o seu trabalho alienado. Essa mudança de aparências não podia esconder o fato de que o capitalismo chileno estava se perpetuando. Dos lucros extraídos pelas corporações multinacionais aos “planos quinquenais” do estalinismo internacional, a acumulação do capital sempre é feita às custas do proletariado.

Que governos e revoluções sociais nada tem em comum foi também demonstrado nas áreas rurais. Em contraste com a administração burocrática da “reforma agrária”, herdada e continuada pelo governo Allende, a tomada armada espontânea de grandes propriedades oferecia uma resposta revolucionária à “questão da terra”. Por maiores que fossem os esforços da CORA (Corporación de la Reforma Agraria) para impedir essas expropriações pela mediação de “cooperativas camponesas” (asentamientos), a ação direta dos camponeses ultrapassou essas formas ilusórias de “participação”. Muitas tomadas de terra foram legitimizadas pelo governo somente depois que a pressão dos camponeses tornou impossível ao governo não fazer isso. Reconhecendo que essas ações colocavam em questão sua própria autoridade tanto como a dos proprietários de terras, a UP nunca perdeu a oportunidade de denunciar as expropriações “indiscriminadas” e de apelar à “moderação”.

As ações autônomas do proletariado urbano e rural formaram a base do desenvolvimento de um movimento significativamente à esquerda do governo Allende. Ao mesmo tempo, esse movimento forneceu ainda outra ocasião para que uma representação política se impusesse sobre as realidades da luta de classes chilena. Esse papel foi assumindo pelos militantes guevaristas do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) e sua contraparte rural, o MCR (Movimento Camponês Revolucionário), os quais tiveram êxito em recuperar muitas das conquistas radicais dos trabalhadores e camponeses. O slogan dos miristas de “luta armada” e sua obrigatória recusa da política eleitoral eram apenas gestos pro forma: logo após a eleição de 1970, um corpo de elite das guerrilhas urbanas do MIR se tornou a guarda palaciana pessoalmente escolhida por Allende. Os laços que ligam o MIR-MCR à UP foram além de considerações puramente táticas – ambos tinham interesses comuns a defender. Apesar da pose revolucionária do MIR, ele agiu de acordo com as exigências burocráticas da UP: sempre que o governo estivesse em apuros, os ajudantes do MIR reuniriam seus militantes sob a bandeira da UP. Se o MIR fracassou em ser a “vanguarda” do proletariado chileno, não foi porque ele não era vanguarda o bastante, mas porque sua estratégia sofreu a resistência daqueles que tentou manipular.

IV

A atividade direitista no Chile aumentou, não em resposta a algum decreto governamental, mas por causa da ameaça direta posta pela independência do proletariado. Diante das crescentes dificuldades econômicas, a UP só podia falar em “sabotagem direitista” e da obstinação da “aristocracia operária”. Quaisquer que fossem as impotentes denúncias do governo, essas “dificuldades” eram problemas sociais que só poderiam ser resolvidos de maneira radical através do estabelecimento de um poder revolucionário no Chile. Apesar de afirmar “defender os direitos dos trabalhadores”, o governo Allende se mostrou como um espectador impotente da luta de classes se desdobrando fora das estruturas políticas formais. Foram os próprios trabalhadores e camponeses que tomaram a iniciativa contra a reação, e assim, criaram formas novas e radicais de organização social, formas que exprimiam uma consciência de classe altamente desenvolvida. Depois do lockout dos patrões em outubro de 1972, os trabalhadores não esperaram que a UP interviesse, mas ocuparam ativamente as fábricas e iniciaram a produção por si mesmos, sem “assistência” do Estado ou dos sindicatos. Os cordones industriales, que controlaram e coordenaram a distribuição dos produtos e organizaram a defesa armada contra os empregadores, foram formados nos complexos fabris. Diferentemente das “assembleias populares” prometidas pela UP, que existia apenas no papel, os cordones foram criados pelos trabalhadores por si mesmos. Em sua estrutura e funcionamento, esses comitês – junto com os consejos rurais – foram a contribuição mais importante ao desenvolvimento de uma situação revolucionária no Chile.

Uma situação similar existia nos locais de moradia, onde as ineficientes “juntas de abastecimento popular” (JAPs) foram suplantadas pelas proclamações de “autogoverno dos bairros” e organização de comandos comunais pelos moradores. Apesar da infiltração pelos castristas do MIR, essas expropriações armadas do espaço social formaram o ponto de partida para um autêntico poder proletário. Pela primeira vez, gente até então excluída de participação na vida social foi capaz de fazer decisões sobre as realidades mais básicas de suas vidas cotidianas. Os homens, mulheres e a juventude das poblaciones descobriram que as revoluções não são assunto de urna eleitoral; independentemente de como os bairros eram nomeados – Nova Havana, Heróico Vietnã – o que acontecia dentro deles não tinha nada a ver com as paisagens alienadas de seus homônimos.

Apesar de as conquistas realizadas pela iniciativa popular serem consideráveis, uma terceira força capaz de colocar uma alternativa revolucionária ao governo e aos reacionários nunca emergiu completamente. Os trabalhadores e camponeses fracassaram na tarefa de estender suas conquistas até o ponto de substituir o regime Allende por seu próprio poder. O MIR, o suposto “aliado”, usou a retórica de opor ao burocratismo as “massas armadas” como uma máscara para suas intrigas. No seu esquema leninista, os cordones eram vistos como “formas de luta” que preparariam o caminho para futuros modelos organizativos menos “restritos”, cuja liderança seria fornecida pelo MIR, é claro.

Apesar de toda preocupação com as conspirações direitistas que ameaçavam sua existência, o governo impedia os trabalhadores de tomarem medidas positivas para resolver a luta de classes no Chile. Com isso, a iniciativa passou das mãos dos trabalhadores para as do governo, e, ao se deixar enganar, o proletariado chileno pavimentou o caminho para sua futura derrota. Em resposta aos apelos de Allende após o golpe abortado de 29 de junho, os trabalhadores ocuparam ainda mais fábricas, apenas para fechar fileiras sob as forças que os desarmariam um mês depois. Essas ocupações continuaram definidas pela UP e seus intermediários do sindicato nacional, a CUT, que manteve os trabalhadores isolados entre si ao insulá-os dentro das fábricas. Nessa situação, o proletariado estava impotente para encetar qualquer luta independente, e quando a Ley de Control de Armas foi assinada, o seu destino foi selado. Como os republicanos espanhóis que negaram armas à milícias anarquistas na frente de Aragão, Allende não estava preparado para tolerar a existência de uma força proletária armada fora de seu próprio governo. Nenhuma conspiração da direita teria durado um dia sequer se os trabalhadores e camponeses chilenos estivessem armados e organizassem suas próprias milícias. Por mais que o MIR protestasse contra a entrada dos militares no governo, eles, como seus predecessores no Uruguai, os Tupamaros, apenas falavam de armar os trabalhadores e tinham pouco a ver com a resistência que acontecia. O lema dos trabalhadores “Um povo desarmado é um povo derrotado” encontraria sua amarga verdade no massacre dos trabalhadores e camponeses que se seguiu ao golpe militar.

Allende foi derrubado, não por causa de suas reformas, mas porque ele foi incapaz de controlar o movimento revolucionário que se desenvolveu espontaneamente na base da UP. A junta militar que se instalou no poder claramente percebia a ameaça de revolução e se empenhou em eliminá-la com todos os meios a sua disposição. Não foi por acaso que a resistência mais forte à ditadura ocorreu naquelas áreas onde o poder dos trabalhadores tinha avançado mais longe. Na fábrica têxtil Sumar e em Concepción, por exemplo, a junta foi forçada a liquidar esse poder por meio de bombardeios aéreos. Como resultado das políticas de Allende, os militares foram capazes de ter a mão livre para finalizar o que tinha começado pelo governo da UP: Allende foi tão responsável quanto Pinochet pelos assassinatos em massa de trabalhadores e camponeses em Santiago, Valparaíso, Antofogasta e nas províncias. Talvez, a mais reveladora de todas as ironias inerente à queda da UP é que, enquanto muitos apoiadores de Allende não sobreviveram ao golpe, muitas de suas reformas sim. As categorias políticas perderam tanto significado que o novo ministro do exterior pôde se descrever como “socialista”.

V

Os movimentos radicais são subdesenvolvidos na medida em que eles respeitam a alienação e entregam seu poder a forças externas, ao invés de criar-lo por si mesmos. No Chile, os revolucionários apressaram o dia de seu próprio Termidor ao deixarem que “representantes” falassem e agissem em seu nome: apesar da autoridade parlamentar ter sido efetivamente substituída pelos cordones, os trabalhadores não foram além dessas condições de duplo poder, e não aboliram o Estado burguês e os partidos que o mantinham. Se as lutas futuras no Chile devem avançar, os inimigos dentro do movimento dos trabalhadores devem ser superados na prática; as tendências conselhistas nas fábricas, locais de moradia e nos campos deverão ser tudo ou nada. Todos os partidos de vanguarda que continuarem a se passar por “lideranças dos trabalhadores” – sejam eles o MIR, um PC clandestino ou qualquer outro grupo dissidente subterrâneo – só podem repetir as traições do passado. O imperialismo ideológico deve ser confrontado tão radicalmente quanto o imperialismo econômico é expropriado; os trabalhadores e camponeses só podem depender de si mesmos para avançar além do que os cordones indrustriales já tinha realizado. Já estão sendo feitas comparações entre a experiência chilena e a revolução espanhola de 1936, e não só aqui – se encontra estranhas palavras vindo de trotskistas em louvor às milícias operárias que lutaram contra todas as formas de hierarquia. Enquanto é verdade que uma terceira força radical não emergiu no Chile, eles tatearam nesse sentido. Diferentemente do proletariado espanhol, os revolucionários chilenos nunca criaram um tipo inteiramente novo de sociedade com base numa organização de conselhos, e a revolução chilena teria sucesso apenas se essas formas (cordones, comandos) fossem capazes de estabelecer uma hegemonia social. Os obstáculos a seu desenvolvimento são similares aos que foram confrontados na Espanha: os conselhos e milícias espanhóis encararam dois inimigos, sob a forma de fascismo e de governo republicano, enquanto os trabalhadores chilenos confrontaram o capitalismo internacional e os manipuladores da social-democracia e leninismo.

Das favelas no Brasil aos campos de trabalho de Cuba, o proletariado do Caribe, o proletariado da América Latina manteve uma ofensiva contínua contra todos aqueles que buscam manter as condições atuais.

Em sua luta, o proletariado confronta várias caricaturas de revolução que se mascaram de aliados. Esses fantasiados encontraram, por sua vez, um falso movimento de oposição dita de “ultraesquerda”. Assim, o ex-fascista Perón prepara a construção de um Estado corporativo na Argentina, dessa vez com aparência esquerdista, enquanto os comandos esquerdistas da ERP o denunciam por não ser “revolucionário” o bastante, e o ex-guerrilheiro Fidel Castro reprime todos os que não se adaptam aos padrões da disciplina “comunista”. A história não falhará em dissolver o poder desses idiotas.

Um complô da tradição – com agentes tanto de esquerda quanto de direita – assegura que a realidade existente seja sempre apresentada em termos de falsas alternativas. As únicas escolhas aceitáveis para o poder são aquelas entre hierarquias em competição: os coronéis do Peru ou os generais do Brasil, os exércitos dos Estados árabes ou os de Israel. Esses antagonismos apenas expressam as divisões dentro do capitalismo global, e qualquer alternativa genuinamente revolucionária terá de ser criada, dado que ela não existe em lugar algum da América Latina nem em qualquer outro lugar, e essa impotência impele constantemente a novas ações. Os trabalhadores chilenos não estão sozinhos em sua oposição às forças da contrarrevolução; o movimento revolucionário que começou no México com os bandos de guerrilha de Villa ainda não veio ao fim. Nas milícias de trabalhadores armados que combateram nas ruas de Santo Domingo em 1965, a insurreição urbana em Córdoba, na Argentina em 1969, e as recentes greves e ocupações na Bolívia e no Uruguai, a revolta espontânea de trabalhadores e estudante em Trinidad em 1970, e a contínua crise revolucionária ocorre, enquanto tal, sobre a ruína desses conflitos espetaculares. A combinação de mentiras dos poderes burguês e burocrático deve ser enfrentada pela verdade revolucionária com armas, em todo mundo assim como no Chile. Não pode existir “socialismo em um país” ou em uma fábrica ou bairro. A revolução é uma tarefa internacional que só pode ser resolvida no nível internacional – ela não reconhece fronteiras continentais. Como toda revolução, a revolução chilena requer o êxito de movimentos similares em outras áreas. Em todo lugar, nas greves selvagens nos Estados Unidos e na Alemanha Ocidental, as ocupações de fábrica na França e nas insurreições civis na URSS, as fundações de um novo mundo estão sendo postas. Aqueles que se reconhecem nesse movimento global devem conquistar a oportunidade para estendê-la com todas as armas subversivas à sua disposição.

Tradução em português: https://humanaesfera.blogspot.com/2019/11/uma-estranha-derrota-revolucao-chilena.html/

[GCI-ICG] Memória operária – Chile: Setembro de 1973
Carta dos Cordões Industriais

Fonte em francês: Groupe Communiste Internationaliste (GCI) – Communisme n°50 – junho de 2000

4 de Março de 2000. O caso Pinochet encontra um epílogo à altura do repugnante espetáculo que os democratas do mundo inteiro nos ofereceram durante vários meses: mal desembarcou sobre o chão da pista do aeroporto que o acolhe no Chile, aquele que finalmente foi liberado por causas médico-humanitárias, aquele que não vinha mais do que dobrado numa poltrona ou pendurado penosamente no braço de um enfermeiro, reencontra de repente cores, um sorriso e – milagre! – levanta-se da sua cadeira de rodas para ir cumprimentar alegremente outros canalhas que o esperam.

Nas passagens do artigo precedente consagrado ao espetáculo Pinochet1, insistimos na hipocrisia das forças democráticas que se apresentam hoje como politicamente inocentes não somente no que se passou em 1973 no Chile (e das quais burgueses e governos do mundo inteiro foram cúmplices), mas também na sua atividade atual como juízes, ministros, políticos.

Com esta “memória operária”2, gostaríamos de destacar agora o papel todos os que, de uma maneira ou outra, apoiaram Allende no início dos anos 70. Gostaríamos de recordar que este último não corresponde em nada ao retrato de vítima que elaborou ulteriormente e demonstrar em qual Pinochet foi possível apenas porque as forças de “oposição”, a esquerda burguesa, os trotskistas, stalinistas, etc., forneceram um incessante apoio ao governo de Allende, um apoio às vezes aberto, às vezes pontual, ou mesmo crítico, mas que justificou em todos os casos a repressão em obra e permitiu igualmente organizar completamente o massacre.

Para ilustrar isto, publicamos, pois, aqui, uma carta que os Cordões Industriais, e outras estruturas proletárias, dirigiram à Allende em 5 de Setembro de 1973, apenas alguns dias antes do golpe de Estado de Pinochet. Este documento histórico constitui uma formidável denúncia do papel contrarrevolucionário desempenhado pela Unidade Popular no Chile (e mais geralmente por todas as “unidades populares” por toda a parte no mundo); demonstra que a ação de um Pinochet pode verdadeiramente ter lugar apenas perante uma classe operária que foi desorientada, desorganizada e desarmada politicamente pela esquerda democrática. Esta carta denuncia, além disso, habituais embrulhadas sobre os “generais traidores” aos quais nos habituaram os partidos de esquerda, e permite ancorar as causas fundamentais da derrota operária no Chile, não na preparação da desorganização dos trabalhadores pelos seus inimigos tradicionais (o que se pode esperar de diferente do inimigo de classe?!), mas nas suas próprias ilusões, na sua falta total de direção e de perspectiva comunista. Quase trinta anos nos separam agora do golpe de Estado de Setembro de 1973 e é como se este documento nunca tivesse existido: as forças democráticas de oposição fizeram tudo que podiam para enterrá-lo, para apagar de qualquer memória um testemunho deprimente sobre o seu papel, um documento que incomoda, que põe a faca na ferida.

Antes de comentar este documento, algumas rápidas observações sobre os Cordões Industriais, signatários desta carta dirigida à Allende. O que representaram os cordões industriais aqui em questão? Os Cordões Industriais constituem uma realidade dupla e contraditória, exprimindo, terminologicamente e, por conseguinte também politicamente, estas contradições. De um lado, os Cordões Industriais consistem no conjunto das grandes empresas industriais (têxteis, de eletrodomésticos…) de Santiago, nacionalizadas pelo governo, e dos quais este último se serviu abundantemente servir como vitrine para elogiar sua própria ação. Mas por outro lado, os Cordões Industriais constituem igualmente um nível de organização em força do proletariado semelhante ao que foram os Soviets na Rússia, os Conselhos na Alemanha, os Shoras no Iraque… e que teve tanto mais importância no Chile do início dos anos 70 que este cinturão industrial de Santiago, do qual estes Cordões eram procedentes, ocupava um lugar essencial na economia chilena.

A denominação Cordões Industriais abrange, por conseguinte, por um lado as 98 empresas nacionalizadas, e por outro lado, uma força e uma organização proletária que coordena as lutas, que age na rua, que apresenta reivindicações ao governo, e que procura até impor certos aspectos da ditadura das necessidades proletárias contra a ditadura da taxa de lucro.

A esquerda burguesa procurará sistematicamente limitar os Cordões Industriais a esta realidade sociológica das “98 empresas”. Os revolucionários quanto a eles, insistirão no fato de que, apesar de uma realidade extremamente contraditória – e da qual testemunha, por exemplo, o documento que publicamos –, a organização proletária nestes Cordões ultrapassou o quadro das empresas das quais eram procedentes, assumindo um poder e uma centralização mais territorial, reunindo maciçamente proletários de bairros operários inteiros, e mais globalmente todos os que entre 1971 e 1973 tomaram posição sobre os acontecimentos políticos no Chile, participando ativamente da luta de classe, da ação direta contra o inimigo burguês. É evidente que neste texto, quando falamos dos Cordões Industriais, falamos neste nível, mesmo se fica claro, uma vez mais, que a contradição original aqui em questão nunca foi totalmente superada.

Precisemos ainda que a carta aqui apresentada é igualmente assinada por outras estruturas proletárias (Comando Provincial de Abastecimento Direto, Frente Única dos Trabalhadores em Conflito) e que se publicamos este documento, não é porque aderimos ao seu conteúdo, mas porque resume a tragédia da classe operária no Chile dos anos 70, uma tragédia que se perpetuará enquanto o proletariado não barrar o caminho de todos que, sob outros nomes, sob outros rostos, se escondem ligeiramente por toda parte no mundo, prontos para desarmar o proletariado e levantar-lhe a cabeça. Uma situação que os autores da carta endereçada à Allende resumiram no seu tempo por estas palavras: “… não somente está nos levando pelo caminho que conduzirá ao fascismo num prazo vertiginoso, mas que nos priva além disso dos meios para nos defender.

Não aderimos ao conteúdo deste documento, dizemos, porque para além do testemunho sobre o papel de Allende e consortes no desarmamento do proletariado, os pedidos expressos na própria carta atestam antes a inacreditável paralisia que então se apoderou da classe operária frente a um Estado burguês que, sob o seu rosto de esquerda, lhe ordenava nem mais nem menos que se curvasse ao mesmo tempo em que preparava o massacre “final” golpeando todos os que lutavam. Não é ignorando ou esquecendo de assinalar este conjunto de fraquezas que se contribuirá para a constituição de uma perspectiva revolucionária. No entanto, quando criticamos as ilusões e fraquezas presentes neste documento, são as nossas próprias ilusões e as nossas próprias fraquezas, as de toda a nossa classe que destacamos, e sabemos que a crítica que podemos fazer constitui a condição indispensável da sua superação. Longe de nós a idéia de depreciar aqui esta tentativa de ruptura com as ilusões alliendistas, mas seria totalmente irresponsável publicar este documento que emana da nossa classe, sem sublinhar a que ponto a ideologia burguesa na classe operária – inclusive nesta vanguarda que são as Cordões Industriais – emtão havia tomado o passo sobre o instinto de classe, e permitiria conduzir as massas proletárias, apenas reticentes, aos seus verdugos.

Em 5 de Setembro de 1973, quando da redação desta carta, contudo, os proletários não duvidavam mais que iriam ao massacre. Suspeitavam efetivamente que a repressão que já tivesse tocado uns importantes setores, se generalizaria a todas as organizações operárias, que teria se passado de uma situação onde um governo à bandeira socialista “… evoluindo para um governo de centro, reformista, democrático-burguês que tendia a desmobilizar as massas…” a uma situação onde reinava “a certeza (de ir) sobre numa ladeira que nos levará inevitavelmente ao fascismo”, “a um regime fascista de corte mais implacável e criminoso”. Mas apesar disto, apesar desta consciência da ação contrarrevolucionária de um presidente do qual se afirma antecipadamente que será “o responsável por levar o país não à guerra civil que está já está em pleno desenvolvimento, mas ao massacre frio, planificado da classe operária”, os autores da carta dirigem-se a ele como um irmão de classe: chamam-no de CAMARADA Salvador Allende!

Aí está o que resume efetivamente a tragédia da classe operária no Chile nessa época: são aqueles mesmos – partidos, sindicatos, governo – que irão conduzir a classe operária, pés e punhos ligados, no meio da arena, que se interpela de modo que agissem contra os que se preparam para assentar-lhe o golpe de misericórdia. O mesmo que pedir aos que conduzem os condenados ao pelotão de execução para tomar medidas contra os que vão puxar o gatilho. O documento assinala claramente que da simples desconfiança para com todas as forças burguesas, passou-se à compreensão do “reformismo” como via mais certa para o “fascismo”, mas apesar disto, estas forças continuam a ser consideradas como forças operárias.

Nós, trabalhadores sentimos uma profunda frustração e desalento quando o nosso Presidente, o nosso Governo, os nossos partidos, as nossas organizações, nos dão uma e outra vez a ordem de recuar em vez da voz de avançar”. “Agora nós trabalhadores não somente temos desconfiança, estamos alarmados”. “Estamos absolutamente convencidos de que historicamente o reformismo que se procura através do diálogo com os que traíram uma e outra vez, é o caminho mais rápido para o fascismo”.

Apesar da consciência do caminho mortal sobre o qual se compromete o proletariado, todos os reformistas continuam a ser considerados como “partidos proletários”: os partidos da Unidade Popular, o governo, os sindicatos são concebidos como os partidos dos trabalhadores e o próprio presidente permanece o presidente dos trabalhadores. Mesmo a Central Unica de Trabajadores (CUT – Central Única dos Trabalhadores) continua a ser considerada como “o maior organismo” da classe operária. No Chile, todos sabem, no entanto, que a principal função desta organização sempre foi conter as lutas operárias em função das necessidades de valorização do capital, e que é em nome dos interesses da pátria chilena (o cobre chileno!) que ela chamou a trabalhar ganhando ao mesmo tempo menos. Mas contra isto, a CUT – que irá até mesmo integrar o Gabinete Civil/Militar onde tem assento os generais do exército chileno que perpetuarão o massacre –, continua a ser considerado como “el organismo máximo” da classe operária!

O quadro é, por conseguinte profundamente trágico. Mesmo os que têm como única referência os comentários atuais da imprensa oficial compreenderão lendo este texto a que ponto o desenrolar ulterior dos acontecimentos no Chile deriva diretamente da desorientação total do proletariado, incapaz de hoje em diante de forjar a sua própria via. É necessário situar o contexto da época. Em Setembro de 1973, o que se tem aos olhos no Chile, é uma classe operária que já reconhece que “o que faltou… foi a determinação, a determinação revolucionária…, o que faltou, foi uma vanguarda decidida e hegemônica” mas que, face à esta falta, pede ao Presidente para guiá-la. Uma classe operária que não tem mais nenhuma confiança nas forças populistas da burguesia mas que, como tantas outras vezes na história, não chega a construir a sua própria força. Uma classe operária que, no mais profundo da sua tragédia, de uma tragédia não chilena, mas internacional, não tem programa próprio (ou melhor, ignora totalmente o seu programa) e exige a aplicação de um programa que ela nomeia de “programa mínimo”, ou seja, o programa burguês da Unidade Popular.

O Chile de 1973 não foi não somente testemunha de um massacre condicionado pelos disparates sobre “a experiência pacífica da construção do socialismo”; foi igualmente o teatro da realização integral da teoria do apoio crítico, da frente única, do governo operário, do controle operário… e, até nas suas consequências finais: a destruição de qualquer organização operária. Independentemente da importância relativamente fraca da qual gozava então o trotskismo no Chile, independentemente da ruptura formal entre o MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária) e a Quarta Internacional, a ideologia que barrou o caminho ao proletariado e permitiu reter sobre o terreno do reformismo os que desejavam deixá-lo, era uma ideologia em todo caso idêntica à própria ao trotskismo internacional. Assim, se nos Cordões Industriais as pessoas não acreditassem na passagem pacífica para o socialismo (com exceção dos agentes do Estado infiltrados nas fileiras operárias), pensava-se em contrapartida a isto que era necessário continuar a apoiar de maneira crítica um governo considerado “trabalhador” por uns, como “popular” por outros. E quanto mais o proletariado tentava escapar ao controle que o Estado burguês exercia sobre ele – como tantas outras vezes na história – mais o discurso do centrismo se radicalizava, mais uma esquerda desenvolvia-se em cada partido burguês, invocando em coro “o apoio crítico”, “o controle operário”, etc. Em todas as suas variantes, as esquerdas socialistas, cristãs, as do MAPU, etc. fortificavam-se e convergiam para estas ideologias radicalizando todos os matizes do “apoio crítico” ou do “controle operário”, posições que, no passado, eram privilégio único do MIR. A leitura do documento que segue não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que esta ideologia radical da burguesia constituiu uma força decisiva que impede o proletariado de atacar o Estado burguês.

Para que os que não viveram “a experiência chilena” ou que entenderam apenas as versões construídas para a posteridade pela burguesia chilena (social-democrata, “comunista”, trotskista, maoístas, mirista, do MAPU, etc.) e refletidas mais tarde no mundo inteiro; para que estes leitores por conseguinte, possam apreender o melhor possível o documento que segue e as razões que levaram à esta absurda “exigência” para com a cúpula do Estado burguês de tomar as medidas necessárias para “transformar as instituições atuais do Estado de modo que os trabalhadores e o povo exerçam realmente o poder”, devemos retornar um tanto para trás. É verdadeiro que em Setembro de 1973, a sorte da classe operária no Chile está traçada: a sua fraqueza é imponente e o massacre que sofrerá será a consequência direta. Mas ela não foi sempre assim. Antes de Setembro de 1973, a luta do proletariado no Chile conheceu momentos determinantes durante os quais a repressão de esquerda como de direita, a repressão do conjunto do Estado burguês se revela totalmente insuficiente, porque a classe operária traçava a sua própria via. E é precisamente neste momento que o centrismo, com a sua clássica política contrarrevolucionária de “apoio crítico” patrocinada pelo MIR, e o guerilheirismo em geral (cf. os conselhos e discursos de Fidel Castro), passou realmente ao primeiro plano e constituiu a barreira final do cerco no qual o proletariado tinha sido conduzido pelo reformismo.

Assim, sempre que a realidade da luta de classe estourava ao grande dia, sempre que a inevitável alternativa terrorismo burguês ou destruição do Estado burguês e ditadura do proletariado emergia socialmente (a segunda proposta que supõe evidentemente a liquidação em primeiro lugar do governo e do exército burguês), os ideólogos do apoio crítico apareciam sobre a dianteira da cena propondo uma terceira via: organização e armamento do proletariado, não para enfrentar a burguesia e o seu Estado… mas para se exigir do governo que respeite o programa “socialista” (sic), para exercer o controle operário sobre a produção e a distribuição dado que é assim que se obtém “partes significativas de poder” (sic) e para defender-se dos ataques da burguesia (para estes senhores, a burguesia é sinônimo de direita) que tenta impedir que este programa seja aplicado. A ideologia desta pretendida terceira via (que realmente conduz inevitavelmente à manutenção da ditadura da burguesia e ao terror branco) paralisará as tentativas mais decididas da vanguarda operária no Chile, as tentativas que, sob o governo, se concentram no ano 1972, e mais particularmente a partir de 11 de Outubro de 1972 quando os Cordões Industriais desenvolvem-se em resposta à situação catastrófica à qual o capital em crise e a repressão estatal submetem a classe operária, uma situação ainda agravada nesta data pela greve dos comerciantes, dos transportadores e dos membros das profissões liberais impulsionada pela “direita”3.

Em 1972, as lutas inflamam-se, pois, em face de uma burguesia que, de um lado, chama a trabalhar mais para a pátria chilena e pelas transformações “socialistas” e, de outro, corta ao proletariado os seus meios de subsistência. Como cada vez que o capitalismo está em crise, a direita e a esquerda se opõem quanto aos seus interesses de frações, mas se completam para impor o aumento da taxa de exploração: trabalhar mais e comer menos. E, como em qualquer circunstância similar, as lutas operárias contra a burguesia e a repressão do Estado burguês acentuam-se. O Estado chileno, com Frei à sua cabeça, com ou mais tarde com Pinochet, segue esta linha de ação inerente à sua essência (não pode ser diferentemente, que o presidente seja “fascista” ou “socialista”). O Estado burguês, disfarçado de “comunista”, “socialista”, “alliendista” tenta resolver a profunda crise que atravessa a economia chilena pelo aumento da taxa de exploração, as nacionalizações e a verborreia socialista. Também não hesita em restringir qualquer luta operária contra a exploração: desde o início do “governo dos trabalhadores”, as lutas dos sem-abrigo, dos mineiros… todas esmagadas. Os partidos do governo, bem como Allende, denunciam cada luta operária como uma provocação e acusam os trabalhadores que reclamam pagamentos mais elevados de pertencer à “aristocracia operária” (os mineiros do cobre, por exemplo). Tentam limitar as responsabilidades de cada um dos feitos de repressão. As justificações abundam para defender os diferentes partidos no governo: “não podiam controlar os corpos repressivos, não são responsáveis dos excessos dos corpos de gendarmeria e serviços de informações”. Continua, por conseguinte, a mesma história: o presidente não sabia, o ministro do interior também não, o P.C. não era implicado, o P.S. ignorava que os policiais dos serviços de informações torturavam, etc. etc.

Mas neste ano 1972, a exacerbação da luta de classe bem como a repressão estatal e paraestatal contrariam esta operação de camuflagem da realidade. Aparece então ao grande dia que torturas e assassinatos de trabalhadores não são unicamente o fato de “Pátria e Liberdade”, do Partido Nacional, do PROTECO (Proteção da Comunidade) ou da Democracia Cristã, etc., mas também dos partidos do governo. Quando de cada intervenção das forças da gendarmeria e dos serviços de informações contra grupos de trabalhadores, líderes da Unidade Popular, do Partido “Comunista” e do Partido “Socialista” são identificados. Allende continua a pedir aos proletários para trabalhar mais, a “definir, produzir e avançar”; enquanto, nos edifícios dos serviços de informações, os seus colaboradores, os dirigentes tais como Carlos Toro ou Eduardo Paredes4 procedem aos interrogatórios de trabalhadores dos quais cobrem o rosto e que apresentam à eletricidade, aos golpes, ao sufocamento por afogamento… (pouco depois Pinochet alargará estas instalações). As operações antioperárias dos serviços de informações e gendarmeria não cessarão de se amplificar durante o ano de 72. Uma destas operações, gravada nas memórias, foi o ataque aos acampamentos dos sem-abrigo de Lo Hermida (uma concentração de 8 acampamentos proletários). Numa noite, os tanques da gendarmeria, as camionetas do Grupo Móvel, patrulheiros, furgões, etc. entraram em Lo Hermida e atacaram a aproximadamente 45.000 pessoas (5 acampamentos). Avançavam iluminando-se com fogos de artifício. Ao barulho das rajadas de metralhadora e ao estampido de bombas lacrimogêneas atiradas nas casas misturavam-se os chamados a apoiar o governo de Allende lançados a partir de automóveis munidos de alto-falantes. Impossível dissimular os resultados desta operação: um trabalhador morto, crianças que têm lesões provocadas pelos gases, centenas de interrogatórios, etc. As declarações dos habitantes (incluídos os alliendistas) foram formais: “em 1970 chegamos nestes terrenos… nós nunca imaginamos que o que não tivemos com Frei e Alessandri, teríamos com o camarada Allende”, “o que se passou aqui, é um massacre. As mortes são de camaradas que habitavam aqui. Os feridos e humilhados são homens, mulheres e crianças de nossos acampamentos, o que a força policial fez à Lo Hermida é um assassinato contra o povo”. “Nós, hoje, é com dor, com pena, com raiva que dizemos que este governo sujou as mãos com o sangue daqueles mesmos que foram traçar uma cruz na cédula de voto para dar a vitória ao governo da Unidade Popular. Daqui em diante não iremos nunca mais apoiar o reformismo. Iremos arriscar a nossa pele, mostraremos que nós, habitantes sacrificados, ofendidos, mortos, crivados de balas, temos outro temperamento e outra determinação”. Ninguém poderá impedir estes proletários de assumir daqui em diante as consequências militantes das lições que tiram quando de estas experiências. Ninguém poderá impedi-los de se preparar para a confrontação mais fundamental. Ninguém, exceto os defensores do apoio crítico, última defesa da contrarrevolução.

O jornal Punto Final (“Ponto Final”, uma revista do MIR) orquestra esta campanha. Denuncia os fatos, rejeita o erro sobre o reformismo e designa-o pelo que é: contrarrevolucionário5. Defende, pois, primeiro algumas posições operárias elementares e toma por ponto de partida as necessidades do proletariado. Mas logo que se trata de tirar as conclusões, opõe-se da maneira mais firme ao que constitui a única porta de saída para o proletariado (enfrentar o conjunto da contrarrevolução tanto fascista como reformista), e preconiza esta famosa terceira via. “Este governo tem duas possibilidades: estar com o povo ou ser o seu assassino”, declara, apresentando assim a cúpula do Estado burguês como neutra, e os seus mandatários como completamente capazes de passar para o lado operário “porque o objetivo estratégico dos trabalhadores não rompe com um governo que, certamente pode, se ele se propõe, ganhar o mérito honroso de abreviar a luta histórica da classe operária chilena.”6 O problema para esta força trotskizante que se exprime em Ponto Final se reduz por conseguinte a “punir os culpados” e sobretudo defender o regime: “…as visitas mútuas entre La Moneda (o palácio presidencial – NDR) e Lo Hermida (o bairro operário destroçado – NDR) abriram uma nova perspectiva ao problema. A suspensão dos seus cargos do Diretor e do subdiretor dos serviços de informações contribuiu igualmente para mostrar que o Presidente Allende (sic) abriu diálogo com os habitantes (de Lo Hermida – NDR) que exigiam sanções contra os responsáveis (sic)”.7

Os membros do MIR e dos diferentes grupos esquerdistas se fixam quanto a eles, abertamente pró-Allende: “Nós conhecemos Allende e, se estamos desacordo com vários dos seus pontos de vista, para não dizer com todos, há questões fundamentais que nós lhe reconhecemos. Em primeiro lugar, a coerência entre o que pensa, diz e faz. Seguidamente, a sua coragem pessoal. Por último uma trajetória política incompatível com a repressão do povo (sic). É por isso que pensamos que Allende foi certamente (sic) o primeiro surpreendido (sic) e talvez o mais fortemente tocado (sic) selvagem pela repressão que se desencadeou sobre este acampamento (certamente não mais que os próprios habitantes – NDR). A imprensa de direita (sic) tentou fazer-lhe levar a responsabilidade do que se passou numa tentativa de assimilar o seu governo aos precedentes regimes repressivos antipopulares (sic).8

Lendo a carta dos Cordões Industriais, é necessário absolutamente guardar na cabeça estes acontecimentos e não perder de vista o tipo de tomada de posições que suscitaram, e que recordamos aqui. A situação imposta pela burguesia era tal que qualquer ataque operário contra a cúpula do Estado burguês era considerado como “de direita” e fazendo o jogo do imperialismo. Trata-se de uma manobra clássica da burguesia para atacar revolucionários, mas o que foi impressionante neste caso é a generalização deste mito ao conjunto da sociedade chilena: nele estava contida a derrota do proletariado.

Retornemos ao mês de Outubro de 1972. A situação do proletariado tornou-se verdadeiramente intolerável. A falta de abastecimento dos artigos indispensáveis à sobrevivência (imposta pela “direita”) é assustadora. Nunca se viveu uma situação tão catastrófica, nunca se trabalhou tanto (graças à “esquerda”) por tão pouco. Assim, se as lutas operárias sucedem-se neste período, não é, como o afirma a história oficial e para-oficial, graças ao progressismo do governo popular, mas porque a situação é insuportável e que nem a “direita” nem a “esquerda” ainda não chegaram a desorganizar totalmente o proletariado, pô-lo de joelhos a fim de desferir-lhe o golpe “final”. Ligeiramente por toda a parte desenvolvem-se dos organismos de base à centralização territorial, as associações de trabalhadores em luta, os comandos de acampamentos, os agrupamentos de vizinhos, os centros de mães, os organismos que reúnem os artesões, os estudantes, etc., tantas organizações que compõem Conselhos de Trabalhadores sob diversas denominações tais como Conselhos de Coordenação Comunal, Comandos Comunais dos Trabalhadores, Cordões Industriais.9 O proletariado tem só um objetivo: liquidar os responsáveis deste estado de fato insuportável e tomar a direção da situação. A questão do poder está colocada. É um momento crucial. O governo, considerando a conjuntura extremamente arriscada formou o Gabinete Civil/Militar ao qual se refere o documento que publicamos a seguir. O MIR10 e todas as forças que sustentam de fato esta organização tomam então a dianteira da cena. Exaltam os organismos citados mais acima, impulsionam os conselhos de coordenação. As instruções de armamento são seguidas mais do que nunca. Resumidamente, MIR e cia. sustentam que o momento acabou de desfazer o “poder burguês”, colocando-se assim à cabeça do processo, mas, como sempre, para contê-lo no apoio crítico. Uma vez mais, toma-se um conjunto de posições operárias para conduzir o proletariado num beco sem saída, no impasse do apoio crítico aos inimigos melhor dissimulados, a fim de conduzir progressivamente a defender o Estado burguês.

A 7 de Novembro de 1972, o jornal Ponto Final titula tudo em letras maiúsculas: “derrotar o poder burguês AGORA”, o que pode passar por uma instrução insurrecional se é ignorado que por “poder burguês”, o MIR e as forças que o apoiam entendem algo bem menor que “o Estado burguês”. Mais do que nunca, eles sustentam que o governo procura realizar o socialismo, mas que a burguesia o impede, que o exército ainda não se pronunciou, que ele deve escolher. “O governo do Presidente Allende comprometeu-se no que diz respeito ao povo (sic) a levar a efeito um programa que significa, textualmente, iniciar a construção do socialismo, na nossa pátria (sic). É precisamente o cumprimento deste objetivo que a burguesia tenta impedir.”11 Comentando a entrada dos Generais nos ministérios, Punto Final escreveu: “As Forças Armadas, apesar do seu desejo de manter uma neutralidade que não corresponde às características do processo chileno (sic), serão obrigadas a escolher. A sua participação no governo da União Popular dá aos oficiais (sic) e aos soldados a ocasião de se juntar à histórica missão dos trabalhadores… As Forças Armadas têm um papel verdadeiramente patriótico e democrático a cumprir junto ao povo (é efetivamente seu papel, NDR) apoiar os trabalhadores na sua luta contra a exploração da burguesia (sic)… Só os fatos podem confirmar (sic) ou pôr ênfase nesta possibilidade. Só o lado que escolherão na luta de classes (sic) permitirá conhecer o sentido da entrada das Forças Armadas na cena política.”12 Por conseguinte, agora, não somente o governo não faz mais parte do Estado burguês, mas além disso não é mais necessário destruir o exército dado que pode fazer a escolha de servir os trabalhadores!

Apostar nas necessidades operárias como ponto de partida, utilização de uma linguagem quase “insurrecional” para defender o melhor possível a contrarrevolução, é tudo que esta corrente trotskizante de apoio “crítico” imporá nos Cordões Industriais, liquidando toda iniciativa classista, toda possibilidade de passagem para a ofensiva operária. Esta corrente política internacional intrinsecamente contrarrevolucionária dirigirá os Cordões Industriais não para o ataque ao Estado burguês, mas para a autogestão: “Logo que estes organismos assumirem tarefas concretas – no que concerne ao abastecimento de alimentos, aos transportes, à saúde, à produção e à eventual defesa perante o fascismo, tomam em mãos uma parte significativa do poder.13 Uma mentira reacionária a mais que foi igualmente decisiva na Espanha insurgida dos anos 34-37: nunca o proletariado poderá dirigir a sociedade, nem mesmo ter “partes de poder” sem atacar e destruir simultaneamente o Estado burguês (o que é além disso, a única possibilidade de resolver verdadeiramente a falta de abastecimento). Mas é esta mentira contrarrevolucionária – “as partes de poder” – que será imposta e conduzirá os proletários à desorientação e aos massacres de 1973 e dos anos que seguiram. O “controle operário” terá assim salvo a burguesia de uma situação arriscada e lhe terá permitido preparar minuciosamente o massacre.

Para definir de maneira geral a ação das classes sociais sob o capitalismo, poderíamos dizer que enquanto a burguesia se ocupa de suas empresas e as supervisiona, o proletariado, quanto a si, prepara a sua guerra. No Chile, à medida que a ideologia do controle operário se impõe e “que parcelas de poder” “são conquistadas”, é todo o contrário que se produz: enquanto os trabalhadores são levados a supervisionar as empresas capitalistas (cf. os “Comitês de Vigilância”), a burguesia leva a efeito a sua guerra e prepara o massacre. No Chile, a burguesia ganhou a guerra no fim de 1972 e no início de 1973, e recorreu à dispersão e a desorganização mais do que às balas, de modo que no fim do ano de 1973, não lhe resta mais do que terminar a sua vitória passando ao massacre. Como de costume, numerosos defensores do Estado chileno e do alliendismo pereceram neste massacre. O que não é lá uma exceção: sempre que a repressão antioperária se generaliza, golpeia igualmente certas frações do capital. Não temos nenhuma razão de lamentar os que permanecem nossos inimigos, mesmo se são encontrados depois na oposição. Quanto às nossas mortes, parece-nos mais importante preparar a força de classe que as vingará que chorá-las. E por isso, não há outro meio que o de continuar a lutar contra o capital por toda a parte no mundo, procurando gerar esta direção comunista que faltou tanto no Chile em 1973 e que continua a faltar hoje no mundo inteiro.

A inacreditável falsificação atual da história em redor do espetáculo Pinochet, a forma como se procura branquear hoje o papel determinante da esquerda e dos esquerdistas na responsabilidade da derrota do proletariado no Chile em 1973 demonstra a urgência e a importância da republicação de documentos tais como o dos Cordões Industriais. Mais do que nunca, nós temos enormemente que aprender a história da nossa classe, e esta reapropriação é indispensável para sua vitória.

Carta que os cordões industriais enviaram a Allende seis dias antes do golpe de Estado militar

5 de Setembro de 1973,

À SUA EXCELÊNCIA, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

CAMARADA ALLENDE

Camarada Salvador Allende:

Chegou o momento em que a classe operária organizada na Coordenadora Provincial de Cordões Industriais, no Comando Provincial de Abastecimento Direto e na Frente Única de Trabalhadores em conflito considerou de urgência dirigir-se a você, alarmados pelo desencadeamento de uma série de acontecimentos que cremos que nos levará não só à liquidação do processo revolucionário chileno, mas, a curto prazo, a um regime fascista do corte mais implacável e criminoso.

Antes, tínhamos o temor de que o processo para o Socialismo estava transicionando para chegar a um Governo de centro, reformista, democrático-burguês que tendia a desmobilizar as massas ou a levá-las a ações insurrecionais de tipo anárquico por instinto de preservação.

Mas agora, analisando os últimos acontecimentos, nosso temor já não é esse, agora temos a certeza de que vamos numa ladeira que nos levará inevitavelmente ao fascismo.

Por isso procedemos a enumerar-lhe as medidas que, como representantes da classe trabalhadora, consideramos imprescindíveis tomar.

Em primeiro lugar, camarada, exigimos que se cumpra com o programa da Unidade Popular, nós em 1970, não votamos por um homem, votamos por um Programa.

Curiosamente, o Capítulo primeiro do Programa da Unidade Popular intitula-se “Poder Popular”, Citamos: Página 14 do programa:

“…As forças populares e revolucionárias não se uniram para lutar pela simples substituição de um Presidente da República por outro, nem para substituir um partido por outros no Governo, mas para levar a cabo as mudanças de fundo que a situação nacional exige, sobre a base da transferência do poder dos antigos grupos dominantes aos trabalhadores, ao campesinato e setores progressistas das camadas médias…” “Transformar as atuais instituições do Estado onde os trabalhadores e o povo tenham o real exercício do poder…

“…O Governo popular assentará essencialmente sua força e autoridade no apoio que o povo organizado lhe brindar…”

…Página 15: “…Através de uma mobilização de massas se constituirá a partir das bases a nova estrutura do poder…”.

Fala-se de um programa de uma nova Constituição Política, de uma Câmara Única, da Assembléia do Povo, de um Tribunal Supremo com membros designados pela Assembléia do Povo. No programa é indicado que se recusará o emprego das Forças Armadas para oprimir o povo… (p.24).

Camarada Allende, se não lhe indicássemos que estas frases são citações do programa da Unidade Popular, que era um programa mínimo para a classe, neste momento, você nos diria que esta é a linguagem “ultra” dos cordões industriais.

Mas nós perguntamos, onde está o novo Estado? A nova Constituição Política, a Câmara Única, a Assembléia Popular, os Tribunais Supremos?

Passaram-se três anos, camarada Allende e você não se apoiou nas massas e agora nós, os trabalhadores, temos desconfiança.

Nós, trabalhadores, sentimos uma profunda frustração e desalento quando o nosso Presidente, o nosso Governo, os nossos partidos, as nossas organizações, nos dão uma e outra vez a ordem de recuar em vez da voz de avançar. Nós exigimos que não só nos informe, mas que também se nos cosulte sobre as decisões, que afinal de contas são definidoras para nosso destino.

Sabemos que na história das revoluções sempre houve momentos para recuar e momentos para avançar, mas sabemos, temos a certeza absoluta, que nos últimos três anos poderíamos ter ganhado não só batalhas parciais, mas a luta total. Ter tomado nessas ocasiões medidas que fizessem irrevogáveis o processo, depois do triunfo da eleição de Regidores de 71, o povo clamava por um plebiscito e pela dissolução de um Congresso antagônico.

Em outubro, quando foi a vontade e organização da classe operária que manteve o país caminhando frente ao desemprego patronal, onde nasceram os cordões industriais no calor dessa luta e se manteve a produção, o abastecimento, o transporte, graças ao sacrifício dos trabalhadores e se pôde dar o golpe mortal à burguesia, você não teve confiança em nós, apesar de que ninguém pode negar a tremenda potencialidade revolucionária demonstrada pelo proletariado, e deu-lhe uma saída que foi uma bofetada na classe operária, instaurando um Gabinete cívico-militar, com o agravante de incluir nele dois dirigentes da Central Única de Trabalhadores, que ao aceitar integrar estes ministérios, fizeram perder a confiança da classe trabalhadora em seu organismo máximo14.

Organismo, que qualquer que fosse o caráter do Governo, devia manter-se à margem para defender qualquer debilidade deste frente aos problemas dos trabalhadores.

Apesar do refluxo e desmobilização que isto produziu, da inflação, das filas e das mil dificuldades que os homens e mulheres do proletariado viviam diariamente, nas eleições de março de 1973, mostraram mais uma vez sua clareza e consciência ao dar-lhe 43% de votos militantes nos candidatos da Unidade Popular.

Ali também, camarada, deveriam ter sido tomadas as medidas que o povo merecia e exigia para protegê-lo do desastre que agora pressentimos.

E já em 29 de junho, quando os generais e oficiais sediciosos aliados ao Partido Nacional, Frei e Pátria e Liberdade se puseram francamente numa posição de ilegalidade, poderia se ter desencabeçado os sediciosos e, apoiando-se no povo e dando responsabilidade aos generais leais e às forças que então lhe obedeciam, ter levado o processo para o triunfo, ter passado à ofensiva.

O que faltou em todas estas ocasiões foi decisão, decisão revolucionária, o que faltou foi confiança nas massas, o que faltou foi conhecimento de sua organização e força, o que faltou foi uma vanguarda decidida e hegemônica.

Agora nós trabalhadores não somente temos desconfiança, estamos alarmados.

A direita montou um aparelho terrorista tão poderoso e bem organizado, que não cabe dúvida que está financiado e pela CIA. Matam operários, fazem voar oleodutos, microônibus, transportes ferroviários.

Produzem apagões em duas províncias, atentam contra nossos dirigentes, nossos locais partidários e sindicais.

São punidos ou presos?

Não, camarada!

São punidos e presos os dirigentes de esquerda.

Os Pablos Rodríguez, os Benjamines Matte, confessam abertamente ter participado no “Tanquetazo”15.

São esmagados e humilhados?

Não, camarada!

Esmaga-se Lanera Austral de Magellanes onde se assassina um operário e se tem os trabalhadores de boca na neve durante horas e horas.

Os transportadores paralisam o país, deixando lares humildes sem parafina, sem alimentos, sem medicamentos.

São vexados, reprimidos?

Não, camarada!

São vexados os operários de Cobre Cerrillos, de Indugas, de Cimento Melon, de Cervejarias Unidas.

Frei, Jarpa e seus comparsas financiados pela ITT, chamam abertamente à sedição.

São reprovados, são denunciados?

Não, camarada!

Denuncia-se, pede-se a reprovação de Palestro, de Altamirano, de Garretón, dos que defendem os direitos da classe operária.

A 29 de junho se levantam generais e oficiais contra o Governo, metralhando horas e horas o Palácio de La Moneda, produzindo 22 mortos.

São fuzilados, são torturados?

Não, camarada!

Tortura-se de forma desumana os marinheiros e sub-oficiais que defendem a Constituição, a vontade do povo, e a você, camarada Allende.

Pátria e Liberdade incita ao golpe de Estado.

São presos, são castigados?

Não, camarada!

Eles, continuam dando conferências de imprensa, são-lhes dados salvocondutos para que conspirem no estrangeiro.

Enquanto se esmaga SUMAR, onde morrem operários e habitantes, e os camponeses de Cautín, que defendem o Governo, são submetidos aos castigos mais implacáveis, passeando pendurados nos pés, em helicópteros sobre as cabeças de suas famílias até a morte.

São atacados você camarada, os nossos dirigentes, e através deles os trabalhadores em seu conjunto na forma mais insolente e libertina pelos meios de comunicações milionários da direita.

São destruídos, são silenciados?

Não, camarada!

Silencia-se e destrói os meios de comunicação de esquerda, o canal 9 de TV, última possibilidade de voz dos trabalhadores.

E a 4 de setembro, no terceiro aniversário do Governo dos trabalhadores, enquanto o povo, um milhão quatrocentos mil, saíamos a saudá-lo, a mostrar nossa decisão e consciência revolucionária, a FACH esmagava Mademsa, Madeco, Rittig, numa das provocações mais insolentes e inaceitáveis, sem que exista resposta visível alguma.

Por todo o proposto, camarada, nós os trabalhadores, estamos de acordo num ponto com o senhor Frei, que aqui só há duas alternativas: a ditadura do proletariado ou a ditadura militar.

Claro que o senhor Frei também é ingênuo, porque crê que tal ditadura militar seria só de transição, para levá-lo finalmente à Presidência.

Estamos absolutamente convencidos de que historicamente o reformismo que se procura através do diálogo com os que traíram uma e outra vez, é o caminho mais rápido para o fascismo.

E nós trabalhadores já sabemos o que é o fascismo.

Até há pouco era somente uma palavra que nem todos nós camaradas compreendíamos. Tínhamos que recorrer a longínquos ou próximos exemplos: Brasil, Espanha, Uruguai, etc.

Mas já o vivemos em carne própria, nos esmagamentos, no que está se sucedendo a marinhos e suboficiais, no que estão sofrendo os camaradas de ASMAR, FAMAE, os camponeses de Cautín.

Já sabemos que o fascismo significa acabar com todas as conquistas conseguidas pela classe operária, as organizações operárias, os sindicatos, o direito à greve, as folhas de petições.

O trabalhador que reclama seus mais mínimos direitos humanos se despede, se aprisiona, tortura ou assassina.

Consideramos que não somente está nos levando pelo caminho que conduzirá ao fascismo num prazo vertiginoso, mas que nos priva além disso dos meios para nos defender.

Portanto exigimos de você, camarada Presidente, que se ponha à cabeça deste verdadeiro Exército sem armas, mas poderoso quanto à consciência, decisão, que os partidos proletários ponham de lado suas divergências e se convertam em verdadeira vanguarda desta massa organizada, mas sem direção.

Exigimos:

1° Face à paralização dos transportadores, a requisição imediata dos caminhões sem devolução pelos organismos de massas e a criação de uma Empresa Estatal de Transportes, para que nunca mais esteja nas mãos destes bandidos a possibilidade de paralisar o país.

2° Face à paralização criminosa do Colégio Médico, exigimos que lhes aplique a Lei de Segurança Interior do Estado, para que nunca mais esteja nas mãos destes mercenários da saúde, a vida de nossas mulheres e filhos. Todo apoio aos médicos patriotas.

3° Face à paralização dos comerciantes, que não se repita o erro de outubro em que deixamos claro que não necessitávamos deles como corporação. Que se ponha fim à possibilidade de que estes traficantes confabulados com os transportadores, pretendam sitiar o povo pela fome. Que se estabeleça de uma vez por todas a distribuição direta, os armazéns populares, a cesta popular. Que passe à área social as indústrias alimentícias que ainda estão nas mãos do povo.

4° Face à área social: Que não só não se devolva nenhuma empresa onde exista a vontade majoritária dos trabalhadores de que sejam confiscadas, mas que esta passe a ser a área predominante da economia. Que se fixe uma nova política de preços. Que a produção e distribuição das indústrias da área social seja discriminada. Não mais a produção de luxo para a burguesia. Que se exerça um verdadeiro controle operário dentro delas.

5° Exigimos que se derrogue a Lei de Controle de Armas. Nova “Lei Maldita” que só serviu para vexar os trabalhadores, com as invasões praticados nas indústrias e povoados, que está servindo como um ensaio geral para os setores sediciosos das Forças Armadas, em sua permissividade de estudar assim a organização e a capacidade de resposta da classe operária numa tentativa para intimidá-la e identificar seus dirigentes.

6° Face à desumana repressão aos marinheiros de Valparaíso e Talcahuano, exigimos a imediata liberdade destes irmãos de classe heróicos, cujos nomes já estão gravados nas páginas da história do Chile. Que se identifique e se castigue os culpados.

7° Face às torturas e morte de nossos irmãos camponeses de Cautín, exigimos um julgamento público e o castigo correspondente aos responsáveis.

8° Para todos os implicados em tentativas de derrubar o Governo legítimo, a pena máxima.

9° Face ao conflito do Canal 9 de TV, que este meio de comunicação dos trabalhadores não seja entregue nem negociado por nenhum motivo.

10° Protestamos pela destituição do camarada Jaime Faivovic, Subsecretário de Transportes.

11° Pedimos que através de vosso próprio apoio, manifeste todo nosso amparo ao Embaixador de Cuba, camarada Mario García Incháustegui, e, a todos os camaradas cubanos perseguidos pelo mais notório da reação e que lhe ofereça nossos bairros proletários para que ali estabeleçam sua embaixada e sua residência, como forma de agradecer a esse povo, que até chegou a se privar de sua própria ração de pão para ajudar-nos em nossa luta. Que se expulse o Embaixador norte-americano, que através de seus porta-vozes, do Pentágono, da CIA, da ITT, proporciona comprovadamente instrutores e financiamento aos sediciosos.

12° Exigimos a defesa e proteção de Carlos Altamirano, Mario Palestro, Miguel Henríquez, Oscar Gerretón, perseguidos pela direita e pela Promotoria naval por defender valentemente os direitos do povo, com ou sem uniforme.

Nós lhe advertimos camarada, que com o respeito e a confiança que ainda lhe temos, se não cumprir com o programa da Unidade Popular, se não confiar nas massas, perderá o único apoio real que tem como pessoa e dirigente e que será responsável por levar o país não à guerra civil que está já está em pleno desenvolvimento, mas ao massacre frio, planificado da classe operária mais consciente e organizada da América Latina. E [nós o advertimos] que será responsabilidade histórica deste Governo, levado ao poder e mantido com tanto sacrifício pelos trabalhadores, habitantes, camponeses, estudantes, intelectuais, profissionais, a destruição e descabeçamento, quiçá a tal prazo, e a tal custo sangrento, não só do processo revolucionário chileno, mas também o de todos os povos latinoamericanos que estão lutando pelo Socialismo.

E se fazemos este chamado urgente, camarada Presidente, é porque acreditamos que esta é a última possibilidade de evitar em conjunto, a perda das vidas de milhares e milhares do melhor da classe operária chilena e latinoamericana.

Coordenadora Provincial de Cordões Industriais – Comando Provincial de Abastecimento Direto – Frente Única de Trabalhadores em Conflito.

[GCI-ICG] Chile: O fim da UP e a reemergência do proletariado

Fonte em espanhol: Grupo Comunista Internacionalista (GCI) – Comunismo n°13 – junho de 1983

A Unidade Popular e o golpe de setembro de 1973

Poucos dias antes do “golpe” de setembro de 1973 os Cordões Industriais, dirigiam uma carta a Allende na qual lhe diziam que ao continuar a linha política aplicada até o momento, “será responsável por levar ao país, não a uma guerra civil que já está em pleno desenvolvimento, mas ao massacre frio, planificado da classe operária”16.

Sem mais, isso foi o que se sucedeu em 1973. Não foi uma guerra de classes o que houve depois de setembro, senão o massacre de um proletariado desorganizado, desarmado, desorientado. A guerra de classes, a burguesia já tinha ganhado. Efetivamente, o decisivo na guerra, foi esta desorganização, e não a execução dos desarmados que – como depois de setembro de 1973 – é sempre uma consequência inevitável.

A partilha do trabalho entre os diferentes componentes do Estado burguês (Democracia Cristã, Unidade Popular, Exército…) tinha sido perfeita, salvo casos marginais, não houve ataque frontal e organizado contra o Estado do capital.

No entanto, a Unidade Popular17 tinha cumprido sua função histórica, tinha sido decisiva na preparação do massacre, mas lamentavelmente para ela, o proletariado o tinha sentido, intuído e em alguns casos, compreendido explicitamente. O fato de que se gritasse abertamente ao “camarada Allende” que sua política preparava o caminho, não para a guerra civil, mas para o massacre planificado da classe operária, indicava ao mesmo tempo que a hora tinha chegado para os da Unidade Popular: seu jogo tinha ficado a descoberto.

Para realizar o massacre, o capital preferiu os pinochetistas, o que permitiria descartar as outras frações políticas da burguesia e tentar uma cura de credibilização na oposição.

O paradoxo da “resistência”

O golpe não surpreendeu a ninguém, todas as classes sociais e todas as forças políticas conheciam seus preparativos. O proletariado não tinha estado em condições de atacar o estado burguês, em seu momento de máxima força e autonomia a fins de 1972 e na primeira metade de 1973; muitíssimo menos estava em condições de resistir à matança quando já tinha sido severamente golpeado e se encontrava em plena desorganização. Por isso, o proletariado como classe não resistiu e não teve como em outras circunstâncias históricas caracterizadas pelo avanço militar da direita, levantamentos armados de proletários em resposta (como, por exemplo, na Espanha em 1936), e tampouco uma verdadeira greve geral que fizesse tremer os administradores do Estado (como tinha se sucedido uns meses antes no caso do Uruguai). Os pinochetistas avançaram sem grandes obstáculos e até surpresos por falta de resistência18. Tudo se limitou a trágicas resistências totalmente setoriais ou individuais, que constituíram bem mais o esperneio desesperado de quem recebe a paulada final, do que uma verdadeira resistência político-militar. Ou seja, inclusive as batalhas limitadas que o proletariado travou em algumas partes, não o fez como classe, como sujeito militar que decide em combate, mas obrigado como objeto e vítima principal da repressão criminosa planificada durante anos e desatada pelo Estado.

Quanto à Unidade Popular, o panorama foi diferente. Muitos de seus quadros não compreenderam que pelo menos no momento tinham cumprido sua função e que o Estado não precisava mais deles na administração, senão em sua oposição. Isto, somado à contraposição dos interesses fracionais do capital (o projeto econômico da Unidade Popular continha a última tentativa do capital de manter, proteger o velho aparelho industrial incapaz de resultar competitivo internacionalmente e ademais, uma parte dessa frente popular representa no Chile os interesses de outro bloco capitalista internacional) determinou em muitos destes quadros, começando pelo próprio Allende, uma vontade real de resistência.

Portanto, Pinochet encontrou-se frente à dupla surpresa: a) Uma resistência que superava as previsões no que se refere ao pessoal da esquerda; assim, por exemplo, não parecia demasiado agradável para um regime em constituição ter que matar um presidente legalmente eleito e em todos os casos históricos similares as coisas tinham se resolvido por bem, outorgando-lhe um salvo-conduto para deixar o país. B) Uma passividade geral da população, ante o avanço do exército e as execuções sumárias praticadas que fazia inútil e desproporcionada na maioria dos casos, o enorme emprego de forças militares.

Mas como é evidente, a Unidade Popular não podia resistir sem utilizar como carne de canhão (de seus interesses fracionais) o proletariado. Efetivamente, sua força principal e seu acesso ao governo do Estado burguês, deviam-se precisamente ao fato de que constituía a fração burguesa com maior capacidade de controlar, de enquadrar (isto é, estruturar para impedir a luta autônoma contra o Estado) o proletariado. Por isso, muitos dirigentes da Unidade Popular chamavam dias antes a organizar a resistência armada, a transformar a Chile num “novo Vietnã heróico” (Altamirano do P.S.).

Há setores que acusam de cinismo e inconsequência a todos estes dirigentes que faziam esses chamados à resistência exemplar e que uns dias depois, povoavam as embaixadas em busca de asilo abandonando o proletariado à sua própria sorte. Nós acreditamos que não são simplesmente cínicos, mas que efetivamente estavam dispostos a dar batalha em função de seus interesses e que sua inconsequência se deve a realmente acreditarem que o proletariado se lançaria nessa resistência, servindo-lhes de carne de canhão e que levaram um certo tempo (dentro do Chile só alguns dias) para compreender seu isolamento. Ou seja, pouco tempo antes do golpe e imediatamente depois, estes imbecis acreditavam que ainda restavam proletários para se deixar morrer por eles, e sob sua direção (como veremos, este mito que a realidade chilena destruiu rapidamente, pôde ser reproduzido por vários anos no exílio); que não sabiam até que ponto o proletariado os considerava responsáveis por esse massacre.

O mais paradoxal da questão, foi que os mesmos ministros e dirigentes dos partidos, que tinham condenado as lutas operárias, que tinham denunciado como fazendo o jogo da direita todas as tentativas de ação direta do proletariado, iam pedir a esses mesmos operários que “resistissem” em nome deles. Mais ainda, os que sistematicamente tinham perseguido todos os grupos que não aceitavam a disciplina capitalista da Unidade Popular, os que tinham denunciado suas greves como provocadas pela CIA, os que tinham apoiado os ataques militares contra as populações, e até os mesmos militares e torturadores democráticos que tinham requisitado, organizado operações pente-fino em busca de armas nas mãos do proletariado, vinham agora a oferecer-lhes “resistência”. SIM, SIM, sem nenhum tipo de matizes desde o General Prat, passando pelos ministros socialistas e comunistas, até seus braços executores, torturadores abertos, como o “Coco” Paredes, foram exatamente os mesmos que com base na violência e repressão tinham enfrentado toda tentativa de armamento autônomo da classe operária, os que chamavam os operários a resistir, a se armar e até em alguns casos, ofereciam-lhes diretamente armas.

Esses foram os “heróis” que morreram ao lado de Allende ou em sua própria trajetória até que foram compreendendo que o exílio era o melhor negócio. Muitos desses sinistros personagens, dias depois do golpe, apareciam pessoalmente em lugares de tradicional combatividade operária, não só contando fantásticas histórias sobre a resistência que estavam organizando e os batalhões que se preparavam, ou que dirigidos pelos militares “democráticos” avançavam de tal a tal lado…, mas propondo, oferecendo “armas para a resistência”. A negativa em se deixar utilizar uma vez mais, foi expressada muitas vezes com violência por parte dos operários. Lamentavelmente sabe-se muito pouco a respeito, porque os principais interessados em divulgar esses fatos, isto é os próprios proletários, encontravam-se demasiado dispersos e desestruturados como classe para que isso constituísse uma posição explicitamente assumida e além disso, porque inclusive na oposição e no exílio, os porta-vozes da Unidade Popular continuaram constituindo uma força essencialmente repressiva, inclusive no referente a toda tentativa de reconstituir a informação sobre os fatos. Exatamente agora, a quase 10 anos desses acontecimentos, circula alguma informação a respeito e em diferentes bairros de Santiago se conta com orgulho como tal ou tal dirigente da Unidade Popular foi mandado se ferrar perante suas histórias sobre a resistência.

A unidade popular começa no exílio

Mas, isso não quer dizer que a Unidade Popular, imediatamente depois do golpe, tenha ficado reduzida a um conjunto de dirigentes. Efetivamente, apesar de que uma parte importante dos proletários que tinham confiado nela se encontravam então em ruptura, a Unidade Popular (como qualquer outra frente ou partido burguês) não é só um grupo de dirigentes, um programa de canalização dos interesses proletários em benefício do Estado capitalista, e um montão de tipos enganados. É, além disso, uma estrutura, um aparelho. A Unidade Popular tinha se constituído como tal, com base em toda uma rede de partidos, tendências, “dirigentes” médios, promessas eleitorais, capangas de bairro, sindicalistas, convictos…, interessados… Em sua passagem pelo governo, como toda frente constituída por partidos de clientela, seu aparelho tinha se desenvolvido enormemente com base, por exemplo, no controle e crescimento das forças de investigações e outras forças repressivas, com base nos interventores nomeados pelo governo nas empresas públicas e nas nacionalizadas, interventores acompanhados sem exceção por um mar de capachos, carneiros e informantes; com base por fim em muitas promessas realizadas em termos de postos burocráticos (nunca antes – com Pinochet foi pior ainda – o Estado tinha empregado tanto inútil), promessas em via de realização em termos de moradias econômicas19. Uma boa parte deste aparelho que quando do golpe, tentou sem êxito, canalizar a seu favor o proletariado, e que era reprimida também, empreendeu mais ou menos rapidamente o caminho do exílio. Todos os dirigentes importantes que não foram atingidos pela repressão, ou que puderam comprar sua “liberdade” e a saída do país se encontraram rapidamente no exílio. Também uma grande parte de todo esse aparelho de “dirigentes” médios e baixos; bem como todos os comprometidos e favorecidos por esse regime, seguiram esse caminho. O resultado foi que em termos qualitativos, o decisivo da Unidade Popular encontrou-se fora muito rapidamente e em termos quantitativos restou uma minoria “à frente” (sic).

O MIR, constituiu uma exceção temporária a respeito. Seus dirigentes consideravam que o golpe tinha confirmado sua tese, que o que havia fracassado era o caminho pacifico ao socialismo e que o golpe abria a fase decisiva e revolucionária. No fundo o MIR, nunca teve um projeto estratégico diferente, do socialismo burguês da Unidade Popular; considerava que agora tinha ficado claro que tinha que defender esse projeto com as armas, que eles eram os únicos consequentes, que não tinha que se exilar, que os que abandonavam “a frente” traíam. Dirigentes de primeira hora e militantes de base, lutaram e morreram defendendo tais ideias, até que o pequeno aparelho militar (com base na tortura, no cárcere,… no desaparecimento) do qual dispunham foi desarticulado e os dirigentes mais consequentes liquidados. A ressaca do MIR vendeu sua subsistência ao apoio interessado do bloco russo e de Cuba, seus dirigentes muito menos comprometidos com o passado de luta, contraposição e denúncia do P”C” e dos estados do bloco do Leste, se apressaram em integrar o exílio organizado e terminaram sendo uma espécie de grupo militar do P”C”.

Por toda parte, o aparelho da Unidade Popular foi bem recebido. Nos Estados Unidos, Rússia, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Tchecoslováquia, Cuba, México… os dirigentes da Unidade Popular encontraram os braços abertos de seus pares, social-democratas, “comunistas”. Imediatamente organizaram seus aparelhos de recepção aos refugiados, mediante os quais se selecionavam a quem se apoiava, como se apoiava, o que lhes dava, etc. Desta maneira em pouquíssimo tempo tinha se reconstituído, com base nas mesmas regras, os mesmos “dirigentes”, os mesmos tipos de acomodações, de favoritismo, de “valentinhos”… uma impressionante estrutura, um aparelho do exílio organizado, em cada um dos países de recepção de refugiados20. Que a gente de aparelho se comprazia em encontrar as coisas tão iguais à sua casa não nos cabe a mais mínima dúvida; o problema foi que com base nesse mesmo tipo de estrutura de clientela, de promessas, de pressões, tentavam mais uma vez submeter, fazer dependentes, todos os que chegavam perseguidos pelo pinochetismo, inclusive os que tinham rompido com a Unidade Popular, ou aqueles proletários que nunca tinham aderido a esse projeto.

A mitologia da resistência e da solidariedade

Essa reconstituição dos aparelhos da Unidade Popular no Exílio, foi alimentada e cimentada por uma enorme mitologia a da “resistência” que se desenvolveu entre os anos de 1973 e 1980, precisamente no período no qual o pinochetismo se desenvolveu com menos obstáculos. “Pinochet cairia de uma hora para outra”, “tratava-se unicamente de alguns oficiais traidores”, “o regime não tinha base social”, “todo o povo estava com a Unidade Popular”, “a maior parte do exército era patriota e democrata”, “O Chile se afundava economicamente e não chegava ao próximo inverno”, “a resistência crescia”, “os sindicatos se organizavam”, “preparavam-se ações”… Era impossível encontrar algum chileno do aparelho que considerasse a si mesmo como um militante de base, sem muita perspectiva de luta imediata; todos eram “dirigentes”, todos estavam preparando a resistência, todos estavam realizando tarefas essenciais em coordenação com a “frente” como se estivessem em plena guerra de resistência contra o fascismo, até esse ponto rotundamente paranóico e afastado da realidade, tinha chegado a tentativa de mimetismo a respeito do antifascismo e da resistência durante a segunda guerra.

Nunca houve tanta gente dizendo que se preparavam ações e nunca houve tão pouca ação, nunca houve tanta coleta para a “resistência” e nunca houve menos “resistência”, nunca houve tantos crédulos na queda do Pinochet e nunca Pinochet esteve mais forte, nunca houve tantos dirigentes tomando importantíssimas resoluções, discutindo programas, planos e alianças e nunca houve menos consequências reais… Existirão milhões de episódios a respeito dessa resistência que sempre se preparou e que nunca se realizou; dessa resistência com a qual se enganou tanta gente em todo o mundo, nós nos limitaremos a ver brevemente o desenvolvimento desse mito e sua utilidade interna e externa à Unidade Popular.

O mito era uma necessidade interna e externa da Unidade Popular, coerente com sua ideologia burguesa antifascista, e que lhe permitia manter seu aparelho e continuar aparecendo como um interlocutor importante frente a outras forças internacionais (governos, partidos, sindicatos…) do capital.

Internamente, tinha que manter ou tentar manter, não já àquela parte do aparelho diretamente interessada no mesmo, senão àqueles militantes que realmente pretendiam lutar pelo que chamavam “socialismo”. Ao chegar aos países de destino dos exilados, estes – inclusive quando eram independentes ou totalmente críticos a respeito da Unidade Popular – se encontravam atraídos, não só por uma dependência administrativa e econômica impossível de evitar (só os aparelhos da Unidade Popular estavam em condições de solucionar os mínimos problemas de subsistência, legalidade, visto, alojamento, permissões de trabalho, bolsas… que encontrava todo recém-chegado), mas porque era – acreditavam – a única chave de contato com os que tinham ficado lutando em condições terríveis, e com os quais queriam se solidarizar. De uma ou outra forma esta subordinação e dependência, transformava-os em agentes de uma mentira gigantesca que, nos “países de acolhida” se transformava numa arma a serviço de toda burguesia nacional.

Os interesses da burguesia em cada nação, em receber bem a seus pares da Unidade Popular, mas também em fomentar e desenvolver o mito da resistência chilena ao fascismo, é evidente. Outra vez, frente aos movimentos de classe que anunciavam a crise de 74-75, voltava-se a tentar a polarização burguesa fascismo-antifascismo que tantos resultados lhe tinha dado. Os PS, os P”C”, trotskistas, maoístas, anarco-sindicalistas…, mas também setores da democracia cristã internacional e inclusive setores clássicos liberais e conservadores; compreenderam que a melhor forma de se refazer uma boa imagem frente a suas classes operárias respectivas, era apresentando-se como os antifascistas. Eles não eram os que reprimiam a classe operária, mas que pelo contrário eram solidários com os reprimidos, com os perseguidos, pela maldade em si, encarnada agora por um novo e grande bode expiatório: a junta chilena, seus campos de concentração e Pinochet. Não devemos esquecer que as bandeiras do antifascismo, da democracia, da resistência, são as do campo imperialista triunfante na última guerra mundial capitalista. Que melhor para a burguesia do mundo inteiro receber aos chefes da “resistência” contra o fascismo!

Isto se compreende bem, é algo bem como o ABC, eles se entendem, têm os mesmos interesses. O indignante é constatar como esse mito da resistência ao fascismo chileno difundido no mundo, enganchava ainda a setores de operários, que renunciando à sua classe apoiavam tudo quanto era ato, mobilização, discurso, coleta, manifestação, que se fazia em nome da resistência “chilena”. Que a burguesia mundial esteja disposta a dar dinheiro para manter esse mito, para financiar os centos de viagens dos homens do negócio chileno da resistência, os congressos, reuniões, armas… é totalmente lógico. O que esquenta a um morto é sugar permanente as escassas forças operárias e até que as miseráveis poupanças de milhares de operários no mundo inteiro tenham ido engrossar as caixas da tão cacarejada Resistência (?).

A partir do nosso ponto de vista, isto é do ponto de vista do proletariado em luta pela destruição do mundo capitalista, isso constitui uma evidente debilidade. Foram centenas de milhares de proletários em todo o mundo, que queriam expressar sua solidariedade com seus irmãos no Chile, que estavam dispostos a lutar por isso. Mas não houve nem uma orientação classista dessa solidariedade, nem uma centralização internacionalista da mesma e como se passa sempre que o proletariado não se dota de suas próprias orientações e de sua própria direção, é seu inimigo histórico, a burguesia, quem o enquadra e orienta a serviço de seus interesses. Por isso, a inexistência de uma solidariedade classista, conduziu a que a vontade de solidariedade fosse canalizada para interesses antagônicos aos do proletariado e o que se sucedeu na prática foi que operários em diferentes partes do mundo consideravam que se solidarizavam com seus irmãos chilenos, com base na união sagrada com os partidos burgueses apoiantes da “resistência chilena”, e que colaboravam com aquela. Como se a melhor solidariedade com os proletários chilenos não fosse precisamente a luta contra “sua” própria burguesia, seus estados, seus partidos. O assunto Chile se transformou assim, especialmente na Europa, numa arma formidável contra a luta do proletariado, pois estava exatamente do outro lado da barricada dos interesses reais do proletariado e de sua luta contra toda a burguesia “fascista e antifascista”.

A derrubada do mito

Talvez tenham sido muito poucos, os dirigentes que sabiam realmente como eram as coisas, que o proletariado não os seguia e que sem ele, todos os partidos unidos da Unidade Popular não eram capazes de fazer nenhuma resistência, que no fundo a resistência era um mito. A própria estrutura, na que a cada um lhe faz crer que dirige algo, na qual qualquer tarado se considera “dirigente da resistência”, realizando importantíssimas tarefas em função dos “companheiros da frente” contribui para manter o mito. Cada “dirigente” infla seus resultados particulares e faz crer a seu “dirigente superior” (na realidade quadro médio baixo) que em seu setor as coisas avançam, este agrega um pouco mais às versões de cada um de seus subordinados…, até que quando chegam acima, as coisas se multiplicaram por 100. Seria, portanto, exagerado culpar de tudo às cúspides dos partidos respectivos, cada um dos aparelhos partidários, cada um dos degraus se comprazem do mito e vivem graças a ele.

Ao mito o tempo e a própria realidade do mundo capitalista em toda parte foi roendo. Os do aparelho da Unidade Popular tinham que inventar histórias cada vez mais fantásticas, para que, por exemplo, os “fascistas” de Pinochet pudessem continuar superando com seus bárbaros crimes (só assim podiam continuar sendo as estrelas do antifascismo), as atrocidades e sequestros realizados na “democracia argentina” da última fase peronista (1974-76), a repressão que a burguesia francesa dirigia no Marrocos, a horrível realidade dos campos de prisioneiros da primeira “república socialista do mundo”, ou as condições de vida que são impostas ao proletariado na Palestina, a pavorosa guerra “entre países socialistas”.

No próprio Chile, nos anos 1975-76 eram muito poucos os que podiam acreditar em tão cacarejada resistência. Saltava aos olhos a desproporcionalidade entre tudo o que se dizia que se organizava e se fazia, em contraposição com a pobre realidade onde em forma totalmente isolada e sem perspectiva de nenhuma espécie se batiam alguns militantes do MIR com forças milhares de vezes superiores e sem nenhum tipo de escrúpulo (torturas, assassinato…). Por outra parte dentro dos limites da crise generalizada do capital mundial, Pinochet tinha conseguido uma verdadeira reconstituição da economia, graças ao aumento da taxa de exploração e lucro, e o Chile, depois de muitos anos voltava a situar-se acima da média, no que diz respeito a ritmos de crescimento da América Latina. Essa consolidação evidente do regime, que não encontrava nenhuma oposição forte, teria por si mesma lançado abaixo o mito, se não fosse pelo fervor quase religioso, especialmente no exterior, de todo exilado da Unidade Popular.

Mas de uma forma ou outra essa “realidade chilena”, que era a única em função da qual os militantes da Unidade Popular concebiam sua vida e o mundo (nunca o nacionalismo e o chauvinismo tinham chegado a tais extremos como no Exílio chileno organizado!), chegava aos setores menos implicados, o que produzia choques cada vez mais violentos com a história tal como se fazia no interior da Unidade Popular.

Depois foi somado um conjunto de elementos que deterioraram ainda mais o mito. Presos saídos do Chile declaravam que nunca tinham recebido nenhuma ajuda do exterior quando estavam no cárcere. E isso, quando os militantes dos diferentes aparelhos tinham feito milhares de “coletas para os presos do Chile”.

Pouco a pouco aos fantásticos contos sobre “a frente” começaram a sobrepor “soluções mais pragmáticas” como a de que Pinochet renunciava e haveria um governo de transição… ou muitas outras, ao mesmo tempo que às “vitórias obtidas” começaram a sobrepor as inumeráveis versões sobre as lutas entre grupos de interesse no interior de cada um dos partidos, onde cada versão acusava os rivais de horríveis traições, de inconsequência, de roubar dinheiro da resistência para uso pessoal… Tudo isto cheirava forte a rotundo fracasso… e ademais, por mais crédulo que possa ser alguém… Pinochet continuava incólume.

No Exílio, a grande maioria dos militantes do aparelho tinham organizado sua vida ao redor do mito da resistência, e uns mais outros menos pensavam em voltar rápido ao Chile como triunfadores. Em muitos casos a profissão dos militantes era, ainda que hoje possa parecer humor negro, a de “resistentes”. Entre outros problemas (como os impressionantes traumas ou comportamentos psicopatas ante a intuição da realidade), isso implicava um custo demasiado grande; em “profissionais” que não se justificava e que chegado um limite, não pôde ser suportado. Tudo isso foi se debilitando: o aparelho e seus mitos.

As “discrepâncias”, que em geral eram uma forma de cobrir politicamente verdadeiras lutas de interesses, frustrações, mentiras, negociadas, foram dividindo e apodrecendo cada um dos aparelhos da famosa “resistência”. Assim se chega a uma situação de putrefação generalizada dos aparelhos, nos últimos 4 anos da década de 70, onde apesar do que dizem os grandes chefes, rádio Moscou ou outras emissoras fiéis, os aparelhos se esvaziaram, as pessoas debandaram. Se bem que sucederam casos de rupturas políticas com toda a Unidade Popular, sem que até agora exista a nosso conhecimento nenhum balanço sério de sua história a serviço da contrarrevolução, a grande maioria dos antigos militantes optaram por uma solução de isolamento, muitas vezes de busca individual de uma “solução” e em muitos casos passaram da mais religiosa credulidade em seus políticos, à incredulidade total em toda transformação sócio-política.

Enquanto esse processo se consumava fundamentalmente no “exterior”, no Chile, os limites da fase de acumulação iniciada em 1975 começaram a se fazer sentir, e pouco a pouco o “milagre chileno” cedeu passo a uma nova crise generalizada. Com ela começaram de novo todos os problemas que tinham ficado suspensos, e em especial o que mais nos interessa: a reemergência do proletariado, vanguardizado uma vez mais pelo proletariado mineiro. Poderia se pensar que este fato, teria inflado novamente a camiseta dos da Unidade Popular, pois por fim havia uma verdadeira resistência a Pinochet. Na realidade, isso não foi assim, nem podia ser assim, pois por razões históricas muito concretas a Unidade Popular foi o antagonismo vivo das lutas do proletariado mineiro. O fato de que justamente a verdadeira luta contra Pinochet, tenha escapado por completo à estruturação da Unidade Popular (e que precisamente por isso seja uma luta do proletariado contra a burguesia), que a classe operária recomece a manifestar-se como classe, como força autônoma, num setor da classe operária que tradicionalmente a Unidade Popular não só não controla, mas que historicamente condenou e reprimiu, foi o elemento decisivo da derrubada do mito da resistência da Unidade Popular e o que acabou de apodrecer os setores da Unidade Popular que ainda poderiam crer.

O proletariado mineiro

Como o explicamos em outras oportunidades21, o proletariado mineiro que no mundo inteiro tem estado à vanguarda das lutas, é em países como Bolívia, Chile, Peru… o núcleo da luta do proletariado. Núcleo no sentido forte da palavra, como centro, como esteio através do qual todo o proletariado concentra suas energias e exerce sua força contra o inimigo, pois sabe que aí sua correlação de forças (importância estratégica do setor na economia nacional) é mais favorável. Isto se confirmou historicamente, sempre em todos estes países.

No Chile desde tempos imemoriais as grandes batalhas de classe contra classe, tiveram como núcleo do proletariado os mineiros. Ultimamente, todos e cada um dos governos (Frei, Allende, Pinochet), encontraram o calcanhar de Aquiles de sua política econômica na resposta classista do proletariado mineiro.

Até o governo de Allende as respostas burguesas, tinham sido as tradicionais, o garrote e a cenoura. O governo de Allende foi o primeiro que tentou inclusive eliminar a cenoura. Quando, ante a baixa do poder aquisitivo dos salários, os mineiros começaram a solicitar aumentos, o governo de Allende respondeu dizendo que já ganhavam muito, que o Chile era pobre, que ganhavam mais do que os outros operários, que eram a aristocracia operária… e como se tudo isso fosse pouco, que “agora o cobre é chileno”.

Para os mineiros, como para qualquer outro setor da classe operária, a absurda questão filosófica sobre a nacionalidade das matérias brutas ou das máquinas com as quais as tratam, é tida sem cuidado; trabalhar para uma sociedade anônima de outro país ou para o Estado, é exatamente o mesmo. Seu interesse é melhorar suas condições de vida e de trabalho, trabalhar menos, cobrar mais, isto é lutar para impor à burguesia uma taxa de exploração (tempo de trabalho no qual produzem para o capital dividido pelo tempo de trabalho no qual produzem valores correspondentes a seus meios de vida) o menor possível.

Frente a isto, o aparelho da Unidade Popular esgrimia sua teoria kautskísta-leninista, dizendo que os operários eram economicistas, trade-unionistas, aristocracia operária, que lhes faltava politização… O que lhe propunham era abandonar seu interesse “econômico” em nome de seu suposto interesse político: “um governo dos trabalhadores”, e a “nacionalização do cobre”.

Talvez muitos dos militantes da Unidade Popular tenham lido “O Capital” e os trabalhadores das minas não. No entanto não nos cabe a mais mínima dúvida de que a essência da luta de classes, do lado proletário, tal como a descreve Marx em sua obra, foi perfeitamente compreendida pelos mineiros e não pelos da Unidade Popular. Nada mais normal que os trabalhadores lutem para impor uma taxa de exploração menor.

Mas aqui não se encontra só o interesse “econômico” dos mineiros, mas contrariamente ao que dizem os da Unidade Popular também seu interesse geral, histórico e político22, pois a luta por uma menor exploração os fortifica na luta contra todo o Estado burguês e além disso porque por outro lado um regime proletário se caracteriza, primeiramente pela apropriação por parte do proletariado do produto (e a redução do tempo de trabalho, de sua intensidade, etc.) o que implica em termos imediatos de deslocamento geral da taxa de exploração, a liquidação da mais-valia, a transformação do trabalho excedente num fundo social, etc.

Portanto, ainda ignorando todo o resto do que foi a Unidade Popular, teria bastado essa só argumentação contra as reivindicações mineiras, teria sido suficiente a rejeição e a repressão com a qual Unidade Popular respondeu aos mineiros de El Teniente para caracterizar tal frente popular e o governo correspondente como antiproletário e contrarrevolucionário.

Não podemos aqui entrar no detalhe das diferentes lutas que opuseram o proletariado nucleado pelo proletariado mineiro contra todo o capital no Chile, representado pela Unidade Popular. Digamos simplesmente que este governo, utilizou principalmente o confronto e a denúncia frontal e utilizando o mito de que o cobre era chileno, o argumento de que ganhavam mais do que outros setores da classe operária, tentou (e conseguiu parcialmente) mobilizar outros setores operários (que renunciavam, claro, aos interesses de sua classe) contra os mineiros. Como tudo isto e a repressão não foi suficiente para aplacar a luta dos proletários do cobre, estes foram acusados de agentes da CIA, de fazer o jogo da democracia cristã, do fascismo, da direita23.

Daí que tenha sido tão importuno para a Unidade Popular o fato indiscutível de que tenham sido precisamente os proletários mineiros de El Teniente, e de Chuquicamata a verdadeira vanguarda da luta contra Pinochet.

Na época mais obscura da contrarrevolução, nos anos mais tenebrosos do triunfo pinochetista, em 1977-78, quando na resistência já se acreditava menos, e a Unidade Popular era derrubada, quando no Chile o associacionismo operário estava em seu ponto mais baixo e só existiam os sindicatos fiéis e promovidos pelo regime, os mineiros voltaram a anunciar sua existência. Tratava-se dos primeiros passos reorganizativos e o pretexto imediato consistiu num conjunto de reivindicações na mina de El Tenente referentes à comida, aos turnos, etc. Houve algumas medidas de luta, o regime não se atreveu a utilizar a repressão, conseguiram-se algumas melhoras.

Depois veio 81, ano no qual a crise volta a se manifestar no Chile e nas emergentes lutas de classe, o proletariado mineiro voltou a se encontrar à cabeça delas. A situação continua se desenvolvendo em 1982 e 1983, até chegar à situação atual, de reemergência do proletariado (não só no Chile senão em toda a região) onde o caráter de vanguarda indiscutido do proletariado mineiro ninguém será capaz de pôr em dúvida.

Quando terminamos este texto (15 junho 1983), se vivem jornadas heroicas de luta de classe contra classe e os mineiros constituem o núcleo central do proletariado. Recordemos uma vez mais que o que está à cabeça de todo o proletariado, são esses mineiros que a Unidade Popular dizia de direita, a aristocracia operária, os economicistas. Que sirva isto de lição terminante não só para condenar todas as forças que nessas circunstâncias se puseram do lado da Unidade Popular, mas a todas essas teorias kaustkistas que constituem a quintessência do pensamento da esquerda no mundo inteiro.

Ao respeito disto, um elemento a mais. A Unidade Popular considerava que o decisivo na resistência era a “consciência política”, que equivale a um pensamento de “esquerda”. Os fatos vêm confirmar uma vez mais o ABC da teoria de Marx contra todos seus fiscais, o proletariado re-empreende a luta não com base na “consciência”, mas sim contra as condições de exploração, o proletariado mineiro se vê forçado a enfrentar todo o Estado chileno, não graças à contribuição de consciência da esquerda burguesa!!! (os setores operários com maior tradição P”C” como o que resta da indústria têxtil, ou como setores da transformação industrial do cobre, são os que mais custam a assumir a luta que se vive hoje), mas agarrando-se a seus interesses chamados “econômicos”, na realidade agarrando-se secamente a seus interesses. E frente a estes interesses todos os programas de democratizações, socializações, libertação nacional, não têm nada a contribuir, sem que sejam sua própria negação. Daí que a contraposição entre todas essas reformas do capital e a luta revolucionária do proletariado não seja só um problema estratégico, um problema para outra etapa da luta (como pretende a esquerda burguesa), mas essa contraposição se encontra na própria base da vida e da luta do proletariado.

Debilidade e força do proletariado: Perspectiva

Sem lugar a dúvidas, o fato de que o proletariado não respondesse como classe em 1973 ao ataque da direita, foi um signo objetivo e indiscutível de debilidade. No entanto, o fato de que não se deixasse arrastar a uma resposta como vagão de trem da resistência da Unidade Popular, é dentro deste quadro geral, uma reação importante e válida de autoconservação e em última instância, um primeiro indicador da força que podia ter quando reemergisse como classe. Fazer-se matar por interesses que não são os seus, é um erro que a história não perdoa, como o demonstra o milhão de mortos que custaram ao proletariado na Espanha deixar-se arrastar para a guerra intercapitalista e ter se submetido à direção da burguesia.

Em última instância, pois, o proletariado chileno teve ao menos a “inteligência” de não se deixar arrastar a uma guerra – entre esquerda e direita do capital – que não era a sua e na qual não tinha, nem tem, nada a ganhar. Se não tivesse sido por isso – que é válido para todo o Cone Sul – contaríamos os mortos, não por milhares, mas seguramente por centenas de milhares e o proletariado como classe teria sido varrido da história, não por 8, 10 ou 15 anos, mas (como na Espanha!) por 30, 40 anos ou mais. Pior ainda, a geração de proletários que se reconstituiria como classe teria perdido todo entrelaçamento histórico, teórico-prático, com a geração que viveu e sofreu a derrota (como na Espanha…, como no mundo inteiro!) e seria sumamente difícil assegurar a memória coletiva da classe. Hoje, em 1983, quando a reemergência do proletariado como classe, começa a se fazer sentir, apesar do limitado das forças das organizações revolucionárias, o proletariado no Chile (e em outros países da área), conta com um elemento a seu favor, do qual carece em outras regiões: ter vivido em carne própria a onda revolucionária e a contrarrevolução (e não há 2 ou 3 gerações como se sucede na Europa ocidental ou Rússia) e contar ainda em suas filas com milhares de homens e mulheres, que não esquecem, nem esqueceram e que conhecem por seu próprio sofrimento, que todos os partidos populares, bem como os que se dizem operários constituíram os aliados objetivos e reais dos que são abertamente de direita. Em forma mais ou menos consciente, esses proletários sentem no mais profundo de suas tripas, que qualquer que sejam os programas, cisões, alianças que proponham, continuarão sendo seus inimigos e que não se pode contar mais do que com as próprias forças.

Hoje, em maio-junho 1983, as primeiras batalhas de uma nova fase de luta de classes começam ser travadas. O proletariado, com sua ação está confirmando sua própria teoria, solidarizando-se com as lutas do proletariado mineiro e contrapondo-se a todo o Estado do capital, hoje ainda com Pinochet à cabeça. Amanhã essa mesma luta seguirá, contra outros administradores, que o Estado do Capital porá em seu lugar. Para isso, está ultra-preparada a democracia cristã e tentam se preparar sobre bases alguma coisa mudadas, os velhos partidos da esquerda do capital. É o que se sucede com a chamada “convergência Socialista”. Com efeito, se bem que seja verdadeiro que ela é o próprio produto da crise da Unidade Popular, do fracasso de seu programa e de sua incapacidade de continuar controlando o proletariado, se bem que seja neste sentido um reflexo deste, de sua reaparição na cena social e que há setores do proletariado em luta que se reconhecem nela; não é em absoluto o próprio proletariado constituindo-se em força, mas a “convergência socialista” com grandes choques e contradições vai se constituindo como uma nova canalização burguesa que responde e em muitas de suas expressões, como necessidade da velha e contrarrevolucionária esquerda chilena. Isso se reflete no fato de que por mais que haja uma verdadeira crítica ao stalinismo, demasiado queimado ante os olhos do proletariado bem como a outras expressões da ideologia “marxista-leninista” e uma vontade evidente de dar mais ouvidos ao que “surge da base”; a mencionada convergência, é precisamente a “convergência” da reemergência da discussão, da mobilização e da agitação nas bases operárias com a possibilidade (o stalinismo encontra maiores dificuldades para seguir o trem da história) e necessidade de parte da velha estrutura da Unidade Popular de renovar-se, vestir-se de novo, para não perder o trem, reenquadrar o movimento operário e continuar sua velha política socialóide; o que se expressa por sua vez em que todas as expressões formais (direções, cartas, chamados…) são características do socialismo burguês e do cretinismo democrático.

Isso não deve nem nos alarmar, nem devemos considerar esta situação como catastrófica. O renascimento do proletariado como classe não pode se fazer de um dia para o outro em forma pura e autônoma. Por um lado, o proletariado está obrigado a conquistar sua autonomia em longas e duras batalhas, por outro é totalmente normal que a burguesia (classe que tem como segredo de sua dominação enquadrar uma parte de seus escravos e utilizá-los contra outra parte de seus escravos) tente não perder o trem e se readapte, e tente controlar e desvirtuar cada uma de suas estruturas e organismos nos quais o proletariado tente forjar sua autonomia.

No entanto, a chave dos resultados da luta de classes futura, que hoje se reinicia em Chile, está precisamente nessa peleja entre a autonomia, isto é a separação do proletariado como força de todas as forças do capital, e a subordinação, isto é a capacidade da burguesia de submeter, dirigir e em última instância anular toda autonomia de classe, liquidando o proletariado numa nova reconstituição do povo, da unidade popular, de uma frente popular.

Por isso, hoje todas as forças sinceras do proletariado na luta cada vez mais aberta contra este regime, têm como tarefa central impulsionar essa separação, essa autonomia, não contribuindo com nenhuma consciência externa e contrária ao que surge do movimento, (como pretendem tantos “leninistas”), mas, pelo contrário, na própria luta contra a exploração e suas condições, fazendo explícita a ruptura que existe na realidade, propagandeando e agitando a própria história da classe, fazendo consciente a ruptura que existe no próprio movimento, denunciando qualquer tentativa de subordinação dos interesses do proletariado ao velho programa populista e portanto, denunciando tanto a todos os velhos dirigentes da Unidade Popular que tentam não perder o trem, como aos programas de socialismo burguês que tratam de canalizar a luta; enfim, gritando que o proletariado só construirá seu caminho agarrando-se a seus interesses, enfrentando toda a democracia e o socialismo burguês, constituindo-se em força real e internacional de classe, para exercer sua própria ditadura e, abolir, a sociedade mercantil, o Estado, as classes sociais…

Morra Pinochet e seu regime de miséria e opressão

Morram todas as forças do capital que se prestam a substituí-lo

Viva a luta do proletariado mineiro; viva a luta do proletariado no Chile; viva a luta do proletariado internacional

Por sua reorganização em força comunista mundial

1 Ver “Cone Sul: Contra a impunidade dos torturadores e assassinos”. Publicado em Comunismo n°4 (órgão central do GCI em português), abril de 2001.

2 Este texto é uma versão mal atualizada de “Memória Operária: Chile, setembro de 1973” que apareceu em 1980 em Comunismo n°4, nosso órgão central em espanhol.

3 Esta greve, pela qual a “direita” se mobilizou para os seus próprios objetivos pequeno-burgueses, mas também as massas operárias (que não tinham nenhuma razão de se conformar às prescrições da esquerda), tinha evidentemente por objetivo declarado, a luta contra a “esquerda” no governo. Uma análise da luta entre as diferentes frações da burguesia deveria pôr ênfase nestes fatores. Da nossa parte, nos interessamos aqui apenas nas repercussões desta greve sobre a classe operária porque é a contradição burguesia/proletariado que constitui o nosso ponto de vista fundamental, uma contradição central e, por conseguinte igualmente bem mais dissimulada.

4 Talvez seja bom recordar aqui que este “socialista” morto quando do assalto a La Moneda, amigo de Allende e fiel à sua ação, era igualmente – ironia ou tragédia? – um dos líderes encarregados de distribuir as armas aos trabalhadores no caso de “golpe de Estado fascista”.

5 Pode-se ler, no número de 15 de Agosto de 1972 de Punto Final: “o responsável direto deste acontecimento muito grave é o reformismo, cujo papel negativo vai até utilizar para os seus próprios objetivos um aparelho repressivo que, durante numerosos anos, se obstinou sobre o povo…”E no mesmo texto, um pouco depois“… referimo-nos ao fator contrarrevolucionário que significa o reformismo”.

6 Punto Final, 15 de Agosto de 1972.

7 Punto Final, 15 de Agosto de 1972.

8 Punto Final, 15 de Agosto de 1972.

9 Certos Cordões Industriais emergiram mais cedo e continuaram a ser quase clandestinos. A sua reprodução e a sua afirmação social teve lugar nestas circunstâncias.

10 Já anteriormente, o MIR tinha lançado a instrução de “Conselhos comunais dos trabalhadores”. Como se vê, e contrariamente ao que pretende o centrismo, nunca a denominação de um organismo garantirá o seu conteúdo revolucionário. Não é a forma de organização “Conselho” proposta pelo MIR que podia constituir uma ruptura com o reformismo. Só um programa que ataca verdadeiramente o capital e o Estado podia determinar o caráter revolucionário desta organização, mas o centrismo tudo faz para impedir isto.

11 Punto Final, 7 de Novembro de 1972. Continua muito interessante notar que a função dos centristas é sempre e por toda parte a mesma. Assim é o papel do POUM na Espanha dos anos 34-37, e do qual tantos reformistas têm elogiado e elogiam ainda hoje a pseudo-radicalidade. Num texto intitulado “O POUM se converte em partido governamental”, o militante Moulin (Hans David Freund, era o seu verdadeiro nome) declara à época, um pouco antes de se fazer assassinar pelos stalinistas: “os centristas e os reformistas de cada país sublinham sempre o caráter excepcional, popular, das organizações burguesas do seu respectivo país”.

12 Punto Final, 7 de Novembro de 1972. Todos os “sic” são notas da nossa redação.

13 Punto Final, 7 de Novembro de 1972.

14 Trata-se do Gabinete Salvação Nacional formado por Allende para enfrentar o progresso do proletariado em Outubro de 1972. Este Gabinete era composto do seguinte modo:

Ministro do Interior: General Carlos Prats Gonzales, comandante em chefe do Exército; ministro do Trabalho: Brilha Figueroa, Presidente da CUT, líder do Partido “Comunista”; ministro das Minas: Claudio Sepúlveda Donoso, General da Brigada Aérea; ministro da Agricultura: Rolando Calderon, secretário geral do CUT, líder do Partido “Socialista”; ministro dos Trabalhos Públicos e dos Transportes: Almirante Ismael Huerta. Cada uma das três “ARMAS” fundamentais estava representada. É a mesma coisa que o que se passou na Espanha em 36, exatamente, com um pouco menos de complexos! Percebe-se a tal ponto que a existência de uma organização internacional do proletariado que assegure a continuidade programática e a memória coletiva da classe operária mundial é indispensável de modo que não devamos nunca mais contar as nossas mortes, os nossos prisioneiros, nossos torturados.

15 Trata-se de uma demonstração de força do exército, uma saída com tanques, que se revelou, com efeito, uma tentativa de golpe de Estado anterior à que Pinochet conseguirá alguns dias mais tarde.

16 Ver Memória Operária: “Chile setembro de 1973” em Comunismo nº 4 (em espanhol).

17 Quando mencionamos secamente a Unidade Popular se deve compreender-se inclusive o MIR, que na realidade desde que a Unidade Popular assumiu o governo, não foi outra coisa que seu apêndice radical.

18 Diferentes documentos e declarações dos golpistas atestam tal surpresa.

19 Deve se recordar que a Unidade Popular se caracterizou por uma defesa extrema das atribuições legais de habitações e casas e que foi por isso que se viu confrontada a reprimir muito severamente as ocupações realizadas pelos “sem teto” que pretendiam se apropriar, quando esse Governo assumiu, das moradias atribuídas a agentes das forças repressivas.

20 A respeito do Exílio organizado, ver nosso texto: “Exílio: Revolução e Contrarrevolução” em Comunismo nº 2 (em espanhol).

21 Ver por exemplo “Bolívia, aberturas democráticas, chumbo e metralha contra um proletariado indomável, mas sem direção revolucionária” em Comunismo nº 5.

22 Explicamos em muitas oportunidades que não existem separações, nem autonomia entre tipos de interesses do proletariado. Nós utilizamos a terminologia vulgar que contém em si a falsa oposição (econômicos-políticos, imediatos-históricos) só para criticá-la e contrapor-lhe secamente aos interesses globais.

23 De resto, dizer que na luta interburguesa, uma luta como esta não podia deixar de ser utilizada e é evidente que a direita, a democracia cristã, tentou se infiltrar e dirigir a luta dos mineiros. Mas este elemento é totalmente marginal e não permite explicar nunca a contradição fundamental que estava em jogo: reivindicações proletárias contra o Estado patrão!

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